No sábado, encontrar alguém no outrora composto e verdejante recinto era, acima de tudo, uma tarefa hercúlea. A moda foi substituída por agasalhos, chapéus de chuva, galochas, ou pelos impermeáveis oferecidos (e conseguidos a muito suor e choro) pela organização, que apesar destes momentos de sã caridade, ainda conseguiu levar uma largas centenas de doidos a aguardar numa fila para conseguir bilhetes pelos quais já tinham, realmente, pago. Fosse este o único problema e estaríamos bem: mas a falta reforço de cobertura no palco Optimus levou a que os Death Cab For Cutie se vissem forçados a cancelar a sua actuação, visto que ainda tinham voos para apanhar. Felizmente, tudo isto seria esquecido com a instalação de um palco Euro, como alguns lhe passaram a chamar, na zona de restauração – um ecrã gigante que teve a bombada de rodar o jogo de bola entre Portugal e a Alemanha. Sem dúvida, um dos espectáculos mais concorridos do dia. Ou seja, tudo se resolveu à portuguesa: com esfregonas e futebol. Os xx não se queixariam, mas já lá vamos.
Ainda assim, no Palco Primavera, os Gala Drop tentavam chamar o Verão ausente de volta, com os seus ritmos quentes, tribais e, claro, electrizantes. Falar do transe de Broda – tema que, aliás, deu início à actuação – é pouco. Falar das sensações que a percussão de Jerrald James é redundante: os lisboetas valem pelo seu colectivo e pela distribuição irmã de talentos. Onde quer que actuem, a festa é deles.
Vindos do país irmão, os The Right Ons ergueram das guitarras no Palco Optimus e de lá nunca mais saíram. Uma espécie de Hives, numa garagem onde o noise, o punk e o lo-fi se cruzam, num estacionamento sem mácula. Não é que tenham inventado a coca-cola, mas resultam bem e, se não fosse a água que nos gotejava dentro dos ossos, poderia ter resultado ainda melhor.
Os calafrios pré-Spiritualized já se faziam sentir cá dentro, mas os minutos ainda faltavam e o spotlight residia agora nos Veronica Falls, que invadiam o Palco Club (de resto, o melhor sítio para se estar àquela hora, ainda que a sua tenda estivesse já semi-convertida numa espécie de curral lamacento), com a sua pop-indie-sonhadora. O disco homónimo, editado no ano passado com o selo da Bella Union, serviu de mote para um punhado de canções bem-dispostas, ainda que despojadas de imaginação, a beber em demasia à estética noise-pop britânica. Valeu a atitude de Roxanne Clifford, de guitarra em punho, a gracejar perante a multidão. // ABR
Apesar de algumas alegrias e muita resistência, a chuva trouxe na mesma muitos inconvenientes. Afastou muita gente do palco ATP, algumas bandas do recinto, mas não foi suficiente para demover os Siskiyou nem para os impedir de dar um dos grandes, mas mais intimistas, concertos do festival. Porventura, a chuva ajudou a reduzir o espaço amplo do All Tomorrow’s Parties à casca de noz que conseguia albergar o interlocutor e os canadianos, que dotados da sua folk aparentemente simples, embeveceram e hipnotizaram a audiência, para depois a abanar com momentos de improviso noise acústico, quase jazzísticos e sempre mais agradáveis do que aquilo que Keep Away the Dead mostrou ser provável. Em todos os momentos, os Siskiyou foram doces e suaves, representando, da melhor maneira, o óptimo folk com ares de country que sempre veio do pais a norte dos Estados Unidos. O resultado valeu-lhes uma ovação, para espanto de ninguém que não a própria banda.
Os Sleepy Sun gozaram da mesma e tramada pluviosidade, que servia só para fechar olhos e aproveitar os graves e grooves do baixo, que davam para imaginar como os céus podiam queimar em vez de molhar. Com o calor dos amplificadores a válvulas à flor da pele, os norte-americanos foram arranhando a possibilidade de um bom concerto – e o PA do palco ATP merece todas as vénias do mundo – mas ficaram-se pela prestação altamente agradável. Dadas as condições, não se podia pedir muito mais. Talvez um pouco menos de lama. // AF
Por esta altura, uma pequena multidão agrupava-se perante os primeiros acordes de Hey Jane, tema de abertura do regresso dos Spiritualized a um país que os quer bem. Jason Pierce e companhia acabavam de entrar em palco e com eles a chuva no seu maior esplendor, naquele que terá sido, sem dúvidas, o concerto mais molhado do festival. Molhado não somente no sentido literal, como no figurativo: quatro anos passaram desdeSongs in A&E e o petiz Sweet Heart, Sweet Light aguenta-se e supera a bronca. Uma hora de alinhamento perfeito – com direito a uma versão dos Spacemen 3 -; a não esquecer o seminal Ladies and Gentleman, We Are Floating Into Space, no seu tema homónimo e, inclusive, a adequada Lord, Let It Rain On Me. Na verdade, os anos não parecem ter efeito nos Spiritualized: a psicadelia, a inspiração, o talento e a entrega continuam lá e, a julgar pela multidão que nem debaixo de uma bátega de água arredava pés, o culto também.
Uma espécie de tempestade tinha-se, definitivamente, abatido perante a zona marítima do Porto. À falta de remos, andámos a saltitar entre o Palco Optimus e o Palco Club, na ânsia de captarmos duas actuações muito aguardadas por esta que vos escreve: Death Cab For Cutie e James Ferraro, respectivamente. Em virtude dos já conhecidos problemas técnicos, os primeiros não actuaram e o segundo ficou retido em local desconhecido. E, neste cenário, quem saiu mesmo vencedor foram os I Break Horses. De repente, os impermeáveis deixaram de ser necessários, e a pop sonhadora dos suecos foi achega de chocolate quente, no Palco ATP. Se no seu disco de estreia, Hearts, os vocais de Maria Lindén passam despercebidos, ao vivo ganham todo um novo esplendor, com o açúcar de uns sintetizadores em jeito de shoegaze. A rever em breve. // ABR
Os Afghan Whigs voltaram, e com eles veio, claro, Greg Dulli, seu frontman, homem experimentado nos palcos portugueses, tanto por via dos seus Twilight Singers como a solo. Sendo conhecedor das nossas paragens e tendo-as visitado nos últimos anos diversas vezes, Dulli sabia para o que via e o que era necessário para pôr o peixe a render no palco Primavera. Claro que todas as estatísticas dizem que mais de metade da audiência não era portuguesa, mas há que sublinhar o óbvio: em Portugal, sê português. Enquanto a malta estrangeira deixa e não deixa crescer o bigode, a primeira coisa que pode fazer é dedicar-se aos concertos como é suposto fazer-se numa terra que até há pouco se viu despida de actuações desta dimensão e que agora é abençoada com tudo – bem ditos sejam os mapas, que começam a ter o jardim tuga por lá. Dito isto, os Afghan Whigs colocaram o seu rock, ora sensual, ora pop, ora punk, em riste com a prestação do seu frontman, que suou as estopinhas para deixar no Porto uma boa memória desta ressurreição da banda que o catapultou. Missão difícil, principalmente quando a sensação indie do momento, The Weeknd, e o um dos homens que colocou o termo nos livros de história, Lee Ranaldo, actuavam ao mesmo tempo, mas cumprida.
Lee Ranaldo constatou o óbvio: os Sonic Youth podem ter acabado, mas vão-se estendendo por alguns ramos dos seus membros. Se Moore abraçou uma folk simples, mas não simplória e Gordon anda a galgar o mundo de volta à no-wave e à experimentação, Lee Ranaldo abandonou esses campos para se dedicar ao songwriting e fazer uma banda rock. Os seus Sonic Youth, mas sem o génio dos seus companheiros de sempre. O resultado, que já se podia adivinhar pelo test-drive feito na Casa da Música há uns meses, afigurou-se bom, mas não sacia desejos de requinte dos que esperam nada menos do que o incrível de uma figura tão incontornável das últimas três décadas da música moderna. Ao vivo, a sua comunicação incessante vulgarizou a actuação à típica prestação rock, onde canções boas não passam disso mesmo e não chegam a constituir um óptimo concerto. // AF
Por estas alturas, e não obstante da devoção aos Sonic Youth, o tempo era de tira-teimas. Conseguiria, ou não, três mixtapes passadas, depois de todo o hype e de todo o vício, Abel Tesfayesuperar a prova do liveact? Do que tínhamos ouvido da sua prestação no Festival Coachella, estávamos temerosos, só que, logo a abrir, High For This, da debutante House of Balloons, dissipou as nossas dúvidas. Não só foi superado, como o canadiano passou o desafio com distinção. Certo que a languidez ficou em formato mp3, mas a sensualidade, pelos gritos em histeria dos fãs (maioritariamente, internacionais, note-se), pelo sing-a-long dos refrões de depressão urbana e pelo espectáculo Michael Jackson mode, na versão de Tesfaye de Dirty Diana, fizeram a tenda Club suar. Os graves salientes, secundados pela banda, revisitaram a best new music do século XXI, na qual o hip-hop, o funk, o r’n’b se juntam para criar toda uma nova linguagem. Drake não fez falta em The Zone, nem, tampouco, faltaram os gemidos no final competente com House Of Balloons/ Glass Table Girls eWicked Games. // ABR
Os noruegueses Kings of Convenience tinham em mãos a tarefa super-difícil de calçar os sapatos de Björk. Sendo a islandesa quem é, os sapatos em questão pediam um Abominável Homem das Neves, conhecido por ser parente directo do Sasquatch (cujo nome português é “Pé-grande”), categoria a que nem Erlend Øye, nem Eirik Glambek, por muito nórdicos que sejam, pertencem. Os autores de Riot On an Empty Street foram, por isso, um erro de casting. Ainda que convocados para actuar em ambiente familiar, tocaram num recinto que lhes parecia hostil – ao ponto de a banda ter optado por esperar que os Dirty Three acalmassem os ânimos antes de prosseguir com o concerto. Ainda assim, comunicativos e divertidos como sempre, os Kings of Convenience não vacilaram perante o mau tempo e outros inconvenientes e percorreram a sua aclamada discografia, ora só a duas guitarras, ora acompanhados por banda, conseguindo mesmo deixar as tretas de lado e pôr a malta a mexer em I’d Rather Dance with You. Se houvesse prémios para estas coisas, eles levavam os de Mr. Simpatia e Mr. Não-desiste.
Os Dirty Three fizeram aquilo a que se chama “entrada a pés juntos.” Ainda mal tinham pegado nos instrumentos e já Warren Ellis, a mostrar-se inebriado, admitia que aquela audiência, a sua, que o esperava, era a melhor de sempre. Porquê? Porque ele não ficaria para ver concerto algum se estivesse a chover a potes como tinha estado até então (sim, a chuva parara). Feitas as contas e os agradecimentos, imitado o Jim Morrison, Ellis fez-se ao seu violino e a assumiu uma postura que o colocaria, e bem, entre um tardio rei lagarto e o grande Ian Anderson dos anos 70, em que se assemelhava mais a um mendigo do que a um pirata aposentado. E foi nesta rica, mesmo rica figura que os australianos protagonizaram um dos melhores concertos do certame, instrumental porque mais não era preciso, e sem um baixo para os graves, porque tal não foi necessário. A pairarem entre a folk, o rock, e os vários prefixos pós, pré, proto e o que mais quiserem, e Ellis a insinuar-se às cordas e ao arco, às teclas e a uma dança serpenteante e tresloucada, o trio arrancou sorrisos e criou raízes em toda a audiência, que não arriscou a arredar pé de frente do estrado.
Enquanto isto, os Wavves mostraram sofrer de iliteracia provocado por consumo excessivo de drogas parvas e, além de acrescentar um v à palavra anglófona para onda, retiraram o seu punk lo-fi do contexto e transformaram-no num rock que, pelas suas características “sempre a andar” teria, obrigatoriamente, de dividir protagonismo com os Black Lips e com os Thee Oh Sees. Tarefa por demais ingrata, como se pode imaginar, mas que não impediu Nathan Williams e companhia de darem o litro tanto quanto podiam. Verificar-se-ia, contudo, que este litro é consideravelmente mais curto que o dos seus adversários directos, que por via das circunstâncias caíram melhor no goto.
Terminados os concertos nos palcos “secundários”, começou a festa electrónica do Primavera Sound, encabeçados por uns Saint Etienne que, em boa verdade, pouco têm que se lhes diga. Entre o pindérico e o óbvio, recorreram aos bombos repetidos para imprimir ritmo e usaram a melodia o melhor que sabiam – infelizmente, não mostraram saber o suficiente para viver na era da internet, em que a arte da hermenêutica musical é possível e em que existem formas para distinguir o arrojado do absolutamente foleiro. O trio caiu demasiadas vezes na segunda categoria e nós abalámos de imediato para Washed Out e Forest Swords. // AF
Com apenas um trabalho editado, os The xx são daqueles fenómenos difíceis de explicar. Podemos falar do trabalho a solo de Jamie Smith enquanto produtor, mencionar a voz angelical de Romy Croft, ou o Mercury Prize que os britânicos granjearam logo à primeira, mas nem isso será uma explicação válida. A explanação a sério poderá ser dada, na plenitude, após a sua actuação, passando em revista todos os pormenores, cuidados até ao ínfimo detalhe, seja nos vocais, seja no intimismo criado perante milhares de pessoa, ou, até, nos hinos que já nos habituámos a ouvir – houve espaço para VCR, Cristalised, Islands, Heart Skipped A Beate até para o rip-off descaradíssimo (mas bem-conseguido e, portanto, perdoado) a Chris Isaak, com Infinity. O boy meets girl em versão elegia, onde as odes, ecoadas a plenos pulmões, saem mesmo a ganhar. Coexist, o segundo disco dos xx, está apontado para Setembro e as amostras soaram um pouco descabidas, para quem desejava um set em modo best-of. Ainda assim, depois desta amostra, as expectativas estão lá no alto.
Depois de uma experiência algo – para não dizer, deveras – decepcionante no Festival Milhões de Festa do ano passado, era tempo de revermos Ernest Greene e companhia. E, quase um ano depois, com o verão quase à porta, a coisa resultou melhor. Certo que Within And Without continua a ser imbatível em casa, mas, ao vivo, a dança do trio Echoes, Eyes Be Closed e Amor Fati revelou texturas mais apuradas, samples menos orgânicos e a prova de que uma bateria faz sempre falta. Só por isso, e, eventualmente, por se tratar de um recinto mais fechado, a prestação clubbing de Washed Out ficou a ganhar. // ABR
Já totalmente embrenhados na onda inorgânica do festival, osForest Swords propuseram o melhor da electrónica britânica dos últimos tempos por meio de uma pop negra. À semelhança deHype Williams e das suas batidas catárticas, os rococós das orquestrações coabitaram o mesmo espaço etéreo que as batidas assertivas de um trip-hop, ao qual foram buscar o mais importante: o baixo. Forest Swords eram, efectivamente, dois membros em palco, um totalmente dedicado à maquinaria e, por isso, à tarefa de maestro de uma orquestra electrónica, e um baixista, a quem coube a tarefa de dar groove à música e balanço aos corpos, já moles de três dias de festival. E ora bamboleando, ora serpenteando de forma lânguida, lenta e precisa, hipnotizada perante a dedicação dos britânicos, que admitiram estar fascinados com o Porto e não paravam de agradecer aos presentes, a audiência seguiu o concerto religiosamente, até à última nota. Terminada a cerimónia e quebrado o encantamento, poucos foram os que ficaram para mais, qual feitiço cuja interrupção leva toda a gente ao seu quotidiano. // AF
FiN é o nome da estreia nas longas-durações do produtor espanhol John Talabot. Apropriadamente, numa altura em que o recinto já começava a fugir em debandada – na felicidade de encerramento de um festival – a celebração, o verdadeiro elogio à electrónica semi-dançável pertencia-lhe. E bem. Ao vivo, os seus mid-tempos melódicos soam (e isto é um enaltecimento) ao talento ora techno, ora disco de maravilhas como Depak Ine, ou Destiny, tema com que, de resto, terminou a sua actuação.
Para o encerramento total do recinto, e já com o acesso vedado aos restantes três palcos, erguia-se Erol Akan. Entre samples conhecidas – desde a The Weeknd, até Daphni -, o DJ baseado em Londres soube carregar o mundo às costas para o pé de dança. E valeu. Para o ano, há mais. // ABR