Ao segundo dia, os quatro palcos do Primavera Sound cheiravam, trocadilhos de parte, a primavera. Gente bonita por toda a parte e já uma afluência simpática quando os Linda Martini estavam em palco. Há poucas bandas por cá com o estatuto que o grupo de Queluz consegue carregar em si: os refrões chorudos que caem sempre bem como update facebookiana, a força de um dos mais poderosos bateristas nacionais e, acima de tudo, a atitude em palco dos (nossos) dignos representantes dos Sonic Youth.
Talvez a hora não fosse a mais adequada, mas o certo é que temas como A Severa, ou Cem Metros Sereia conseguiram levantar o pó de um recinto que, à data, ainda estava purificado de lama.
Já passou um ano desde que entrevistámos André Tentugal, mentor dos, na altura, estreantes We Trust. E, de facto, nota-se a rodagem de estrada e o calo que os portuenses apresentam, hoje em dia, em palco. Acompanhados por uma orquestra de sopro, os temas de These New Countries, ao vivo, abrem-se em cadência, facto ao qual não deve ser alheio a versatilidade dos músicos que integram o projecto do também realizador. Time (Better Not Stop)foi, obviamente, o momento alto de uma actuação sem mácula.
A folk dos Other Lives serviria como um bom aperitivo para as guitarras e para os atilhos desapartados que os Yo La Tengotrariam depois ao Palco Primavera. Contudo, não o suficiente para nos ficar na memória: demasiado próximos de uns Radiohead – com quem, aliás, já partilharam palcos -, os norte-americanos deram um concerto morninho, com alguns momentos a tocar no coração, nos quais os falsettos do vocalista Jesse Tabischestiveram em destaque.
São quase três décadas de carreira, as que os Yo La Tengocarregam ao ombro. Três décadas de mudanças de mentalidades, de riffs a abrir e com um nome de mãos dadas à génese do shoegaze. A exploração das guitarras – outrora mais rockeiras e, tal como os vimos na Aula Magna há dois anos, actualmente mais pop – continua a ser o bastião de Ira Kaplan, como a busca ao passado mais longínquo de Sugarcube o demonstra. Porém, a herança semi-dançável mais recente, do maravilhoso I’m Not Afraid Of You And I Will Beat Your Ass, não foi esquecida e até deu para dançar, com Mr. Tough.
As raízes até são semelhantes: o árido e velho continente, quando saltamos até ao Palco Club. Bob Dylan e todos os grandes cantautores norte-americanos estão lá, impersonados nos War On Drugs, palradores e satisfeitos, com o seu set soalheiro. Nem sempre com o melhor som, a harmónica de Adam Granducie lconvence, naquela que foi uma reprodução fiel às sonoridades queSlave Ambient é em disco. Logo a abrir, tal como no mais recente longa-duração, não faltou Best Night, ou a pachorrenta I Was There, o preto no branco de mais um fim de dia. // ABR
Feito maluco, fui ver os Sleepy Sun de forma a apanhar com alguns ultra-violeta na fronha, mas saíram-me os Tennis na rifa. Imagine-se o meu terror quando pensei que os rockers de São Francisco tinham mandado embora o vocalista e um guitarrista para os substituir por uma loura demasiado alegre que arranhava uns toques de piano, quando não dançava quase histericamente ao som da pop caramelo da sua banda. O preconceito acabou por ficar de pé, mas eu preferi sentar-me na relva e degustar a combinação primaveril do palco ATP, estreando-me, assim, naquele que viria a afirmar-se como o melhor palco a nível de concertos do festival, a par com o Club, onde actuavam os War on Drugs.
Entre alguma dança e muita boa disposição semeada pelo relvado em frente ao estrado, os Tennis despediram-se entre sorrisos, não conseguindo apagar-me da memória as canções dos autores deSlave Ambient, a que me havia sujeitado, e muito bem, momentos antes. Apanhando a boleia alegre dos Tennis e hiperbolizando a vontade de dançar, os Chairlift colocaram rodas em todos os insistentes estáticos e fizeram do palco Club um dancefloor, galvanizada pela vocalista Caroline Polachek. O synth-pop da banda de Brooklyn entrou desde os primeiros acordes em modo party, hard, acrescente-se, e a parca indumentária da cabecilha da banda aqueceram o ambiente da tenda de forma incessante durante o concerto. // AF
Quem estava, notoriamente, bem-disposto era . Com Candles a abrir, numa altura em que o sol começava a falhar, o cancioneiro do canadiano abriu-se e houve momentos para todos os gostos: o prológo do saxofone, o acto das preces, entre risos, pela Grécia e, até, o esquartejamento de Hallelujah, original de Leonard Cohen celebrizado por uma das maiores vozes de sempre, Jeff Buckley. Não que tenha sido excepcional, a actuação de Wainwright serviu como um bom aquecimento para o resto da noite. Mas, por cá, gostaríamos de saber quando é que a sua irmã,Martha, se decide a visitar-nos. // ABR
Às 21h30 do dia 8, o Primavera Sound parou para receber os Flaming Lips em toda a sua pompa. Artilhados até aos dentes, entre confetes, bolinhas, bolonas e esferas de hamster em que Wayne Coyne, qual Peter Gabriel, decidiu andar, estendendo o palco até à audiência, numa espécie de crowd-surf com preservativo. Os Flaming Lips conseguiram coroar a sua actuação com um circo visual de quem não olha a medidas e isso reflectiu-se numa audiência rendida à banda desde o riff inicial (e que grande riff!) de Worm Mountain. Contudo, e porque o perfeito devia ser intocável, dispensava-se os momentos de sacrilégio sobre On the Run, do seminal Dark Side of the Moon dos Pink Floyd, que os norte-americanos já cometeram o erro de rever – diga-se, um disco que não precisa de qualquer tipo de exercício revisionista.
Com efeito, foi quando se afirmavam como Flaming Lips, uma banda de rock cujo psicadélico é, essencialmente, uma extensão, como aconteceu de início, que Coyne e companhia melhor estiveram, ainda que tendo protagonizado um dos concertos mais consensuais do certame.
Durante o ruidoso concerto dos Flaming Lips, estavam os Black Lips a virar o palco de asfalto ao contrário, os Codeine ressuscitaram o seu shoegaze, bipolar como um oceano, entre uma acalmia quase gélida, ao som do dedilhado de guitarra, e explosões tempestuosas, cheias de distorção. Mesmo com as ondas de som a serem disputados com os dois outros palcos, os Codeine jogaram taco a taco com as actuações dos seus conterrâneos e protagonizaram um concerto tão emotivo e intenso quanto relaxante. Os norte-americanos foram, indubitavelmente, o melhor adeus possível ao sol que não voltaria ao Parque da Cidade do Porto e que, na verdade, já se tinha posto fazia horas. // AF
O flower-punk dos Black Lips é discutível. Se o ouvirmos em casa, não há muito a dizer sobre os seus desinspirados acordes, capazes de fazer uns MC5 corar de vergonha. Porém, ao vivo, a receita torna-se comestível, – sempre polémica, é certo, entre crowdsurfs, distribuições múmia-style de papel higiénico. Vale tudo, porque a festa é sempre feita e escolher, por isso, momentos altos torna-se complicado, mas Not A Problem, retirada de Let It Bloom, a breve passagem dos senhores de Atlanta pela In The Red Records, talvez seja um deles. // ABR
Os Shellac são um dos pedaços de história mais bem guardados pelo indie. Ora, no Primavera, esse segredo deve ter sido divulgado à entrada, ou o público mostrou-se ciente de que Steve Albini deu algumas das contribuições mais importantes para a música moderna e que, ao vivo, a sua banda é um trio de ases imbatível em qualquer jogo de poker. Ou, já que estamos nestas coisas, em qualquer disputa de palcos.
Não seriam os Wilco, nem tampouco os Neon Indian, que iriam retirar magia a uma actuação enérgica, teatral e cheia de entrega de Weston, Trainer e Albini, que se insinuaram entre gritos de guerra e avisos pré-revolucionário, quando não tocavam o seu punk, pós, proto e progressivo, cheio de rock e, em súmula, música num estado pleno, de harmonia, melodia, ritmo e silêncio (este último usado e bem abusado), ou quando não citavam Joy Division (uma referência que não foi tão forçada quanto muitas das t-shirts que exibiam) na The End of Radio, enquanto Todd Trainerpasseava a sua tarola amplificada por vontade pelo palco. Estes homens dão seminários de rock, por muito totós que pareçam. // AF
Uma breve passagem pelo concerto dos Wilco conseguiu trazer memórias dos tempos em coleccionávamos, religiosamente, discos como Yankee Hotel Foxtrot ou A Ghost Is Born. Quase uma década depois, percebemos que Jeff Tweedy é e será sempre uma espécie de redneck virado para o indie de amolecer corações, de guitarras suaves e de momentos semi-epifânicos, mesmo que, nos dias que correm, com menos espaço no nosso órgão mais vital. Sem deixar grandes memórias, até porque nunca foram uma banda de culto por cá, os Wilco convenceram, ainda assim (ao contrário da electrónica em forma de arrozal dos Neon Indian, só que isso já são outras histórias).
Antes de irmos balançar os nossos cabelos para um semi-desajustado concertão de WITTR, decidimos fazer uma pit-stop estratégica perante Beach House, para confirmar se o ódiozinho de estimação contra uma banda, apropriadamente, primaveril seria injusto. Dada a multidão que abarrotava o Palco Club e a dificuldade para entrar naquele que seria uma das actuações mais concorridas do festival, essa dúvida persiste. Ouvimos, ao longe, a voz delicodoce de Victoria Legrande, mas a urgência estava destinada para o palco ATP. // ABR
Uma aposta com tudo para correr mal, os Wolves in the Throne Room mostraram o porquê do palco ATP ser um paraíso onde a amplitude musical é válida e se pode sobrepor à selva de indie-pop do Primavera Sound. Sem ninguém a acompanhar o seu andamento, os norte-americanos foram os únicos representantes das sonoridades extremas no festival e tiveram a sorte de gozar de um óptimo aquecimento dos Shellac. Contudo, a banda de Celestial Lineage mostrou que podia ter enfrentado todas as t-shirts de Joy Division e passerelles do certame só com as suas duas guitarras e bateria.
Dividindo o alinhamento entre o mais recente disco e Two Hunters, que já data de há cinco anos, os Wolves in the Throne Roomcolocaram-se entre a catarse potenciada por blast beats e a hipnose do temelo picking ambiental para dar um concerto que pecaria por curto, mas ganharia em intensidade. No final, com um esboço de encore, os autores recuaram até Vastness and Sorrowpara testar os limites do PA do All Tomorrow’s Parties – que não vacilou – e despedirem-se em grande dos que tiveram o bom senso de não trocar aqueles largos minutos por Beach House ouWalkmen.
Depois de virado o palco do avesso e do pedestal pagão dos Wolves in the Throne Room ter sido derrubado para dar lugar não à adoração dos momentos divinos, da terra e do todo, mas da festa, pura, simples e dura. Isso ficou claro mal os Thee Oh Sees pisaram o palco ATP. Feitas as apresentações da praxe, o quarteto de São Francisco saltaram directamente para os planos da noite e, surpresa, passavam por fazer “uma ganda festa.” Dito e feito.
Rock, roll, guitarras, bateria e chavascal em palco, uma receita que vem do tempo dos nossos avós e que continua a dar frutos quando bem conservada, e sem conservantes, caso dos autores de uma discografia demasiado extensa para enumerar aqui.
O final da noite ficaria, contudo, nas mãos dos sonhadores M83, que na sua urgência de montar a celebração do êxito do novo álbum saltou de uma passagem dupla por um Hard Club e um Lux para cabeça de cartaz do Primavera Sound (onde este tipo de improbabilidade é possível ao ponto de colher bons resultados). Uma plateia plena de festivaleiros e festivaleiras incansáveis aguardou pelas tardias 2h da madrugada para culminar um dia em cheio com as malhas de pop caramelizada de Hurry Up, We’re Dreaming, que conseguiu não perder o impacto ao ar livre.Anthony Gonzalez, para tal proeza, gozou do apoio da multidão, indubitavelmente em modo farra e que encontrou em malhas comoMidnight City o motivo ideal para prolongar a festa noite dentro. // AF