Não é mentira que a época estival já havia sido inaugurada há umas semanas, com o Festival Rock In Rio, mas é impossível negar que, para o universo indie, o irmão mais novo de um dos maiores festivais do panorama independente da Europa – e porque não, do mundo? – abriu, a pontapés, as hostes para um verão que se augura concorrido no que diz respeito a bandas que marcaram as últimas três décadas. E não só.

Falamos das revelações, que o diga Bigott, alter-ego de Borja Laudó, a quem couberam as honras de abertura do certame. Ainda a meio-gás, o recinto não se mostrou, particularmente, entusiasmado com a alegria e com os devaneios experimentais do catalão barbudo, que ofereceu uma actuação suada, a levantar alguns movimentos de anca. Talvez numa próxima e noutro horário.

Antes de embarcarmos nas viagens sonoras de Bradford Cox, a altura era de exploração do espaço, com a diferença de não buscarmos a arca perdida. O verde esperançoso era a cor predominante, a contrastar com o betão da zona de alimentação e com a planície dançável que seria o Palco Club. Já no Palco ATP, no qual as festas seriam, apropriadamente, deixadas para amanhã, vislumbravam-se, ao longe, pequenos banquinhos propícios ao pic-nic, que condiziam, na perfeição, com as oferendas que o patrocinador oficial do evento distribuía.

De volta ao Palco Primavera, sentamo-nos perante um revivalista Atlas Sound, ainda com a sua última viagem até à cidade invicta bem presente na memória. Mais orgânico do que em disco, espacial e com um cheirinho a shoegaze nas sapatilhas, Cox desfilou canções a fugirem para o sonhador que caracterizaParallax, inclusive a apropriada Te Amo, enquanto o sol caía, ao fundo, no mar. Entertainer natural, o norte-americano fez-se acompanhar pela sua harmónica de estimação perante uma multidão ainda apática, ou, cremos, embalada no aquecimento para a noite que se antevia.

A chuva ameaçava cair e o frenesim estava dirigido à senda pelos impermeáveis oferecidos pela organização. Mas, Yann Tiersen seria o senhor que se seguia. Cansado das associações que o colam aos pianos das bandas-sonoras de Amélie Poulain ou deGoodbye Lenin!, o francês atacou na exploração semi-pop que caracteriza Skyline, o seu mais recente longa-duração. Na sua mescla pouco perceptível entre a língua inglesa e a francesa, e à semelhança da sua actuação no Centro Cultural de Belém há três anos, Tiersen tentava comunicar com público, acompanhado de uma panóplia de instrumentos – com especial enlevo para o violino -, e afastar-se dos rótulos instrumentais, dando azo à imaginação de mistura de sonoridades, brilhante e assertivamente.

Nova volta, novo palco. Era a vez dos The Drums. Bem à modinha de Brooklyn, tão prolífica e tão desinteressante mormente, a banda foi buscar a Portamento, o seu último e banal disco, um ex-libris falhado para um concerto francamente aborrecido, igual a tantos outros, mas, contudo, a provocar a histeria colectiva pelo primeiro momento verdadeiramente mexido da noite: refrões orelhudos, guitarras new-wave e loops gingões, as fórmulas mágicas para agitar multidões que estão a entrar, a par e par, no espírito festivaleiro. // ABR

Perante um Primavera a meio gás, só com metade dos palcos a bulir, os Suede conseguiram a situação do festival dando um concerto moderamente enfadonho. Se para os fãs duros dos britânicos o concerto decorreu sem mácula, o mesmo não se pode dizer para os demais, que aguentaram um concerto exageradamente extenso e, fruto deste mesmo efeito, repetitivo. Valeu a rodagem da banda liderada por Brett Anderson, capaz de distribuir singles por um alinhamento ao ponto de não levar o concerto até ao nível de massacrante.

E se a crítica aos Suede parece exagerada, convenhamos que contra eles jogou a actuação de Mercury Rev. Muito se pode apontar à organização do festival, mas, a par da forma pouco precavida como lidou com a chuva no dia 9, a falha mais perturbadora recai, incontornavelmente sobre as substituições no alinhamento, devido a cancelamentos de última hora. Com a saída de Björk, entraram os noruegueses Kings of Convenience (uma banda que não é talhada para actuar em festival, muito menos num deste tipo, ponto a que chegaremos mais adiante); com a saída dos texanos Explosions in the Sky entraram os Mercury Rev, que tiveram o condão de balancear as suas músicas de rave, de apertar atacadores e dar corda aos sapatos, e os momentos puramente pop, de devoção do público para com uma boa actuação. Entre o dramático e o absurdamente feliz, os decanos norte-americanos não acusaram ponta de cansaço da estrada e criaram a sua própria narrativa, de altos e baixos emocionais, e de bela eficácia. // AF

Para o fim, a festa. Foram necessários cinco anos para que os The Rapture se decidissem a regressar aos discos. Podendo não entusiasmar na nossa hi-fi, In The Grace of Your Love mostrou, no verdejante palco Optimus – e perante uma multidão que desejava, mais do que tudo, um pézinho de dança –, que os seus temas valem por si próprios e que ganham toda uma nova dimensão ao vivo. O encerramento com How Deep Is Your Love, já conhecida por ser a canção do spot promocional do certame, deixou o público em êxtase e coroou, da melhor forma, o primeiro dia do Primavera Sound. Mas o melhor estaria, ainda, por vir. // ABR