A cada Clubbing da Casa da Música assume-se a saudade. No último fim-de-semana de Março, a sala portuense iluminou-se a rigor para mais uma edição do evento, a meio gás em relação ao que há uns meses acontecia: duas salas com concertos, um espaço para showcase e os bares cheios de música. Com Sun Kil Moon e o novo projecto de Thurston Moore à cabeça, a Sala 2 e a Cybermusica ficaram de fora do roteiro, mas justificou-se a romaria até à sala Suggia.

A abrir a noite, já tardia, os Sun Kil Moon de Mark Kozelek, que não há muito tempo percorreu alguns auditórios em Portugal, reviraram eficazmente o mais recente “Benji”. O lugar único criado para a música de Kozelek não fica em causa com a adaptação para os palcos: a bateria, presença mais constante, libertava a guitarra para os rendilhados com que o cantautor sempre abordou o dedilhar de guitarra; o piano, a pender entre a harmonia e a textura da música, acabou por ser o reduto essencial da ambiência, invariavelmente de acordo com a pouca luz que iluminava o estrado — a simpatia de Kozelek, de forma evidente, contrastou com aquilo a que o ex-Red House Painters tem habituado, agradecendo repetidamente e admitindo a paixão por esse pedaço de Portugal que é o Caldo Verde (sopa que inspirou o nome da editora de Kozelek). A segunda guitarra, manuseada pelo português Vasco Espinheira, acabou por ter uma afirmação contida, mas estratégica na essência, a fazer-se ouvir na altura devida.

Foi com “Benji” como pedra angular que os Sun Kil Moon se apresentaram, com músicas como “Carissa”, “I Can’t Live Without My Mother’s Love” e “Dogs” a levarem a maior dose de atenção. A despedir-se, Kozelek fugiu dos holofotes para se perder no escuro que, de alguma forma, ainda grassava o palco. Lá, de mãos nos bolsos, revelou-se em força através da voz, para levar consigo uma ovação.

Thurston Moore será sempre uma surpresa. Fora quando actuava sob o guarda-chuva Sonic Youth, que abrigava desde a experimentação mais extrema ao indie rock como este sempre deveria soar, não haverá, nunca, forma de balizar ou delimitar o terreno por onde o guitarrista e vocalista se expressa com maior fluência. O concerto de sábado, atipicamente, encerrou a sala Suggia numa dimensão paralela, onde Moore, nos minutos iniciais, percorreu os momentos basilares da sua carreira — desde as guitarras de agressividade ritmada ao ambiente puramente experimental dos primeiros acordes, poucas formas haveriam de expressar a sua incansável juventude.

Por entre músicas, o norte-americano comunicava frontalmente, deixando sempre uma entoação irónica no ar, numa espécie de nojo juvenil emproado pelas novas músicas que apresentava, comSteve Shelley, também dos Sonic Youth, a crescer com intenções em catadupa constante. Por definir, ficaram as dedicatórias, sempre dúbias, mas claras o suficiente para se ter a certeza de que serviam de contexto: Moore está mesmo a braços com um novo registo a solo, servindo este concerto de declaração de intenções e demonstração de resultados. Aprovado, claro.

Ficam as saudades de uma Casa da Música mais ocupada e activa, mas isto pode ser o sentimento de ter atravessado uma actuação de Sun Kil Moon sentado e sobrevivido a um ataque psicótico-depressivo — o negrume expressa-se em saudades, dissipadas na performance de um doutorado em rebeldia na escola do rock.