O Optimus Alive. O festival que consegue ter música e ainda assim rivalizar em envergadura com o colosso dos centros comerciais das majors que é o Rock in Rio. Não nos leio atravessados: apenas o palco principal do festival de Oeiras é comparável – e mesmo esse ganha no que a música diz respeito. Falamos de Depeche Mode, falamos de Biffy Clyro, falamos deJurassic 5, falamos de Linda Martini e falamos de Tame Impala. Mas há mais dois palcos a fazer a diferença, algo que claramente pesa na decisão de justificar uma viagem para o soalheiro e costeiro Portugal das audiências dessa Europa fora que vão povoando o Passeio Marítimo de Algés. Falharam, contudo, nas previsões meteorológicas. Esteve abafado, enevoado e ainda houve algum chuvisco. Ninguém arredou pé por causa disso. As razões, acredita-se deste lado, são as abaixo explanadas:

Quelle Dead Gazelle

A tarefa de começar com o festival ficou nas mãos dos lisboetasQuelle Dead Gazelle, que disputaram as atenções da audiência que se ia dividindo pelos palcos secundários. Ganharam para os que gostam de rock, de melodias mais evidentes e de um pouco de éter e peso à post-rock. Mas duraram tanto quanto o sol da sexta-feira, umas míseras três músicas, que pouco depois seguia-se Jamie n’ Commons.

Jamie n’ Commons

Jamie, com a sua indumentária, os seus óculos, o seu cabelo comprido e o seu rock todo bluesy e by the book traçou logo uma evidente comparação – triste, ainda assim – com Stevie Ray Vaughan. Trocava-se o papel de guitarrista ritmo pelo de solista e a sua guitarra de caixa pela Stratocaster (ambas as responsabilidades caíam nos ombros do segundo guitarrista da banda) e estaria a imitação completa. Falhou-se no virtuosismo, claro, mas conseguiu-se um esboço de boa onda, o suficiente para que surgissem alguns sorrisos na plateia e alguns aplausos. Eis o rock mais batido em 2013.

Stereophonics

Ao cinzentão esparramado no céu, a transeunte multidão do Optimus Alive retorquiu com o laranja, cor-mor de todos os brindes outorgados à entrada – entre eles, os chapéus, os infindáveis chapéus, escravos de um vento que nunca esquece o Passeio Marítimo de Algés. Espicaçando o desconsolo das hostes britânicas, maiores a cada ano que passa, a miudinha chuva recordou-lhes os entardeceres ingleses, escoceses e galeses, enregelando epidermes e humedecendo cabelos. Mais saxão o cenário ficou com os Stereophonics: britpop eternamente grudada na década anterior e da qual até as mais imberbes almas, devotas a Green Day, reconhecem Maybe Tomorrow. Aquecendo gargantas – os braços lançam-se ao ar na “radio-friendly” Dakota –o grupo comandado por Kelly Jones assinou trivialmente o livro de presenças do Alive’13, já depois de Gold Panda ter dado uns “afinanços” post-dubstep no Palco Clubbing.

Biffy Clyro

Latitudes e longitudes afinam-se, a cada Julho volvido, do Rio Tejo para as ilhetas britânicas – os Biffy Clyro, repetentes no que ao festival lisboeta diz respeito, enfrentaram por isso uma turba de “english accent” na ponta da língua. Sem artifícios, o trio de Kilmarnock ofereceu aquilo por que muitos turistas musicais ansiavam: rock nervudo, desregrado numa pose “badass”, mas que insiste em sacar do bolso a fofice que lhes dá salvo-conduto para enfrentar enormes plateias. Bubbles rasgou um sorriso nos lábios femininos, Stingin’ Belle agitou as recentes madeixas loiras de um Simon Neil desnudo da cintura para cima. Jogaram em casa.

Deap Vally

A nudeza do escocês é por demais singela se a equivalermos à índole libertina de Lindsey Troy e Julie Edwards. Trajes menores para um rock, também ele, de serviços mínimos. A guitarra corpulenta, de tons graves mergulhados num fuzz Palm Desert, não chega para fazer do seu garage rock uma asserção sem contra-argumentos. Julie, prometida à bateria, só ajuda às semelhanças com os The White Stripes: rudimentar e circunscrita ao “feijão com arroz”, mostrou-se incapaz de pegar nas malhas do novinho Sistrionix – primeiro LP editado há duas semanas – e guiná-las para esferas incontestáveis. Espirituosas, quase burlescas, as meninas Deap Vally descortinaram regozijo por voltarem a Portugal quatro meses depois de fazerem a primeira parte de Mumford & Sons no Coliseu dos Recreios. E isso, esse tal espírito prazenteiro, vale pontos com fartura num evento de Verão. As suas máculas musicais, por agora ocultas às impressões festivaleiras, ficam para outrora.

AlunaGeorge

Só agora com um álbum de longa-duração na calha, a dupla britânica AlunaGeorge regressou a Lisboa para testar as capacidades da sua banda ao vivo. A electrónica, subordinada a uma maior orgânica, não conseguiu evidenciar as nuances mais londrinas de músicas como Your Love, Your Drums, reduzindo a actuação dos ingleses a um pop com pouca substância, com pouca novidade. Mas a fórmula, está mais do que visto e é mais do que sabido, é infalível. Tem resultado com a Beyoncé, não havia de resultar com AlunaGeorge? Resultou, e bem. A audiência rendeu-se de imediato, foi só preciso a parte Aluna da banda ter pisado o palco.

Japandroids

Pouco depois entrariam em palcos os Japandroids, vindos de Vancouver com um amor declarado pelo nipónico. Era apenas esse o amor que tinham para oferecer, infelizmente. Com o som a castrar-lhes as frequências graves e a desamparar-lhes a actuação, a dupla de guitarra e bateria soou à banal banda punk juvenil, que tão bem encaixaria a abrir para os Green Day — o dia far-lhes-ia jus. Sem terem trazido qualquer novidade para o palco, salvo, claro, a energia e a vontade de deixar suor e sangue no concerto, pouco de relevante se passou durante a actuação dos canadianos, que não deixaram de ter o condão de satisfazer os desejos dos que até lá se deslocaram para partilhar o momento teenager do festival: percorreram a sua discografia de fio a pavio, sempre na cavalgaria a que o punk obriga.

Two Door Cinema Club

Falando em veraneantes devaneios, os Two Door Cinema Clubchegaram ao palco principal de Beacon em riste – o segundo álbum dos norte-irlandeses atingiu os tops britânicos e essa glória popular valeu-lhes uma plateia meia-portuguesa/”half”-estrangeira dedicada de princípio ao fim. Recapitulando os compassos da indie de anca maleável, entregue à ebriedade dos sintetizadores, o trio não se importa com o déjà vu que provoca a cada tema, a cada refrão pegadiço. Já ouvimos isto em qualquer lado, vezes sem conta. Aos milhares é-lhes indiferente – o faustoso coro de I Can Talk prova que nem o chuvisqueiro cair de noite retira ímpeto e ornato ao engravatado Alex Trimble.

Dead Combo

Os Dead Combo são há já muito tempo uma das certezas de qualquer palco em Portugal. Não seria necessário o palato clínico de Anthony Bordain para que o talento de Pedro Gonçalves e Tó Trips se afirmasse como uma das mais belas iguarias da cena alternativa portuguesa, cheia de tudo aquilo que compõe a nossa cultural musical: África, do Norte e Setentrional, uma melancolia talvez Celta e uma ironia de quem vive mal há demasiado tempo. Comeu-se Cachupa, viram-se Putos a Roubar Maçãs, e tudo numa sessão a preto e branco musicada ora a duas guitarras, ora a guitarra e contrabaixo, ora a guitarra e melódica. A constante, além do fingertiping bruto e intenso de Trips, era a bateria, a dar um corpo rítmico às lamúrias dos Dead Combo mais em conformidade com todas as suas expedição pela nossa geografia sonora. Nunca fez falta, o elemento rítmico, na música da dupla – mas, admita-se, o seu acrescento caiu no goto.

Green Day

Discorrer umas sarrafadas argumentativas sobre o estranho binómio “sucesso comercial / punk rock” é, em 2013, inútil. Inegavelmente bafejados pelo espólio dos Ramones – fazem questão de entrar em cena ao som de Blitzkrieg Bop – os Green Day são, no entanto, o produto de uma era em que os media piscavam o olho às pop-hostilidades. Sim, aquele período em queDookie minava as prateleiras e o Smash dos The Offspring fazia meio mundo berrar uns “la la la” sobre a sua auto-estima.

Por isso, por sabermos que de punk têm quase nada, espanta-nos pouco que a extensa actuação dos norte-americanos tome as tradicionais proporções de um “stadium concert”: chorrilho de lugares-comuns, onde não falta a bandeira portuguesa, os “gimmicks” à stand-up comedy, os latinos “olé olé olé” e as arengas pré-fabricadas do “nós contra eles”. Ornamentos essenciais numa performance do género, que atinge repetidos clímaces a cada salmo mercantil: She, Boulevard of Broken Dreams ou a inamovívelWhen I Come Around despertaram o frenesim juvenil e a melancolia trintona. Longview, essa ode à masturbação e à marijuana como meios de combate ao tédio, será eternamente recordada pelo jovem que subiu a palco para com os Green Daytocar guitarra; ficou com ela, com a guitarra, e com o elogio fraterno de Billie Joe Armstrong, senhor que não teme homenagear os AC/DC ao serpentear o riff de Highway To Hell, lá pelo meio do espectáculo de variedades. O final, carimbando a encore, ululou nas espaldas de American Iditiot o tema, Jesus of Suburbia e a terminativa Brutal Love.

Edward Sharpe & The Magnetic Zeros

Este era um dos concertos mais aguardados do palco secundário. Um elenco digno de uma peça musical de liceu americano, um protagonista com aquele charme desleixado de James Franco e uma boa disposição que começava na postura e contagiava a música. Foi desta forma que Edward Sharpe subiu em grande pompa e bem rodeado pelos seus Magnetic Zeros ao palco Heineken. A desenvoltura do protagonista encaixou demasiado bem com a audiência, totalmente receptiva aos seus tentos rock com laivos de ópera, cheios de coros, de parafernália e instrumentália, numa riqueza de camadas a recordar uns Arcade Fire de uma alegria inaudita. Os incautos não terão resistido ao encanto charmoso da banda e de Sharpe, que não se coibiu de falar ao telefone com a irmã de alguém que lhe passou o telefone. Esperemos que a irmã gostasse dele, pelo menos.

Jessie Ware

Longe de deter o veludo vocal de Sade, Jessie Ware compensa a falta de graves pelo temperamento “clubbing” – dificilmente, então, o palco escolhido para a sua actuação poderia ser outro, não obstante a simultânea competição com os Green Day. Os seus esguios movimentos, ganhos nos bares londrinos a sul do Tamisa, soltam-se sobre uma soul que não renega os estivais perfumes da R&B e que se adorna por uma espontânea comunicação com o público. No entanto, a voluptuosidade de Devotion, álbum de estreia, não conseguiu transcrever-se na plenitude de disco para palco. Talvez lhe falte melhor envolvimento instrumental (o baixo revelou-se anémico). Talvez necessite de nos visitar num espaço íntimo.

Vampire Weekend

À meia-noite subiria ao palco um dos fenómenos mais mal justificados da música actual – os Vampire Weekend, que demoraram três discos a explicar uma fama feita à sombra da bananeira erigida por Paul Simon em pleno regime do Apartheid na África do Sul, a obra-prima Graceland. Com discos tirados a papel químico, mas apenas com a estranheza pouco natural de quem se fica pela compra de artigos feitos na Costa do Marfim em vendedores de rua para colocar em cima do amplificador, Ezra Koening e companhia regressaram a Lisboa para fazer valer o mais recente álbum, Modern Vampires of the City. O novo álbum é, sem dúvida, um disco que foge mais à tentativa de soar africano e que se aproxima mais de um rock bem-disposto, uma pele em que os nova-iorquinos demonstram, inegavelmente, um conforto maior e que acabou por fazer jus ao entusiasmo do público. Ficou provado que a tez que melhor assenta na música dos Vampire Weekend é a sua. Paul Simon não tentou enganar ninguém, seria só triste se estes se continuassem a enganar a eles próprios.

Crystal Fighters

Enquanto Steve Aoki transformava o palco principal numa queima das fitas qualquer, os Crystal Fighters fazem a festa pela orgânica e pela dinâmica, sem recorrer aos truques baratos de cortar no êxtase para dar no êxtase. Sublimes em comparação, a jogar para si próprios o colectivo revelou-se cristalino na sua descrição: música de dança com instrumentos, sintetizadores e vozes, sempre com a tónica numa percussão rica e na festa rija em palco. De um lado para o outro, a destilar tanta alegria quanto o suor podia exalar, conseguiram esticar uma noite praticamente acabada durante mais uma bela hora, onde a electrónica era subjugada a um tribalismo básico mas, admita-se, de uma eficácia contagiante. Conseguiram ser uma das melhores prestações da noite sem a pretensão de serem mais do que uns bons mestres de cerimónias numa boa festa.