Dá para perceber que este Optimus Alive caiu no goto dos fãs britânicos. Para além de ser ao pé da praia e calhar no verão – o cliché da “bifa” com o escaldão nunca farta -, o festival ainda faz questão de trazer coisas claramente para eles direccionadas.
Veja-se o Miles Kane, um tipo que se consagrou nos The Rascals e se agigantou nos The Last Shadow Puppets com o Alex Turner, e que bastou entrar no palco secundário para ter uma série de inglesas a berrar as letras de Rearrange e da inevitávelCome Closer. Deve ser giro vir de Leeds ou de Manchester até Algés e perceber que, afinal, o cenário nem mudou assim tanto.
Paus © Lais Pereira
Paus é prata da casa. O formato e a abordagem musical do quarteto português já representam uma novidade para poucos, daí que aquele efeito surpresa com que tão bem conseguiam cativar as plateias há uns dois anos atrás – incluindo a do Alive 2010 – parece ter-se esfumado. Acrescentando a esse facto, a multidão aparentava estar claramente vidrada nas 22:30, hora em que os Radiohead entrariam em palco, acabando o concerto de Paus por não ter sido mais do que um eficaz cumprir de calendário para os portugueses, mas certamente um ponto de interesse e revisita para os estrangeiros que se passeavam pelo Parque Marítimo de Algés.
Pelas 19, os efeitos de este dia 15 de Julho ter lotação esgotada começavam a denotar-se. Se nos outros dias, pelo final de tarde, o palco Heineken ainda se encontrava a meio gás, neste encerramento do Alive já havia uma plateia bem considerável pelo stage secundário. Ainda bem, que as Warpaint não mereciam menos do que isso.
Tardou pouco a haver um bom número de corpos a dançar ao som das impecáveis malhas de The Fool, um dos melhores álbuns de 2010, que ainda não perdeu embalo, nem encanto. A razão passa não só por estas miúdas emanarem uma sinceridade e felicidade espontâneas, mas também pelo inegável facto de serem excelentes músicas.
Não dá para ficar de braços cruzados quando sê assiste a todo aquele groove entre bateria e baixo, enquanto as guitarras e vozes tecem um recortado psicadélico e de feeling post-punk. Um concerto que passou estilo relâmpago e que merecia mais tempo e um slot nocturno – já era altura de alguém as trazer cá em nome próprio.
Curta foi também a nossa visita aos The Kooks, uma daquelas bandas que dá vontade de usar o clássico “2006 ligou”.
O fecho com a Naive não causa espanto, já que seis anos depois ainda é esta malha por quem todos esperam quando veem a banda de Luke Pritchard. Como alternativa, os The Maccabeesiam dando mais um banho de felicidade ao contingente britânico, com o grupo a oferecer uma dose tradicional de indie rock sem grandes píncaros de destaque, apesar de o seu recente Given To The Wild ter sido bem recebido pela crítica – e pelo público do Alive, diga-se.
O dia continuou morninho e sem grandes palpitações. Caribou, o consagrado projecto do canadiano Dan Snaith, veio incluído no pacote Radiohead e foi mais um daqueles concertos que acabou por sofrer com as variáveis tempo e espaço.
A electrónica experimental, que quase nos leva a tripar infinitamente quando ouvimos Sun Sun Sun Sun Sun sem mais parar, merece uma ocasião mais propícia do que aquela que os coloca como a banda exactamente antes do maior headliner de todo o festival. O mesmo para Mazzy Star: enquanto noventa porcento da lotação já se apertava e tentava furar para ter um bom sítio para ver as desconcertantes danças de Thom Yorke, Hope Sandoval ia actuando para uma parca plateia, de pé atrás não só pelo mau som do palco Heineken, mas também por um estranho feeling de que um regresso histórico não deveria estar a acontecer assim. Não houve ambiente, não houve atmosfera e nem mesmo quando foram buscar Fade Into You deu para esboçar mais do um sorriso com aquilo a que assistíamos.
Expectável, no fundo: todo aquele dreamy bucólico de Mazzy Star não pode ser colocado num palco secundário de um festival destas dimensões, que mais secundário se tornou pelo dia e hora em que aconteceu.
Faz espécie que os Radiohead sejam reverenciados como se nem no plano do comum mortal figurassem. A apologia desmedida e a vénia constante acabam por, cada vez mais, retirar brilho a uma banda que indubitavelmente atingiu momentos sublimes, mas que hoje em dia não parece ser capaz de adicionar outro filho pródigo àquele opulento cartel de 1995-2003.
Numa tour que nos aponta em direcção a The King of Limbs, provavelmente o menos consensual álbum dos britânicos, os concertos dos Radiohead acabam por inevitavelmente sofrer de alguma brandura em excesso. Não chega acreditar em frases soltas e anti-empíricas como “eles estão à frente do seu tempo” para nos entretermos com malhas como Morning Mr Magpie ouSeparator – não, eles não andam adiantados no calendário em relação aos demais. E a procissão de fé construída em redor de Thom Yorke e companhia, que nos tenta convencer de que todos eles são autênticos Reis Midas futuristas, também não é suficiente para acreditarmos que Lotus Flower é uma magnum opus e Feraluma música de referência. É claro que se equipararmos osRadiohead a todo o lixo musical que pulula rádios e televisões, os autores de Street Spirit (Fade Out) e Lucky sairão sempre vencedores. Mas há um problema nesta disputa: não existem só estes dois mundos. Não há só o mainstream parolo e azeiteiro, nem há só Radiohead como alternativa. Por este globo fora, não faltam projectos que nos dias de hoje fazem melhor música do que aquela que os homens de Abingdon nos têm oferecido nos últimos anos, daí que considerar o quinteto como a última garrafa de água no deserto seja despropositado.
Daí que, sim, o regresso dos Radiohead a Portugal acabou por sofrer exactamente pela data e pelos nove anos de intervalo (quase, quase dez) desde a última passagem por cá. É 2012 e não pudemos querer um set cheio de malhas do OK Computer, do The Bends ou do Kid A, mas isso também não nos pode levar a comer qualquer prato que os ingleses nos coloquem na mesa – a sua tão propalada experimentação e o tal avant-gardismo pop pós-Hail To The Thief não são ases trunfo. Não foi genialmente incrível, não foi horrível; de muito bom guardar-se-ão os momentos em que Exit (Music For A Film) ou I Might Be Wrong foram extraídas de forma exemplar e exemplar foi também a execução da one and onlyParanoid Android.
Um dos concertos do festival haveria, ironicamente, de ficar guardado para depois de Radiohead. Os The Kills foram retumbantes, pegando naqueles que negaram o cansaço da hora tardia, já depois de os SBTRKT terem entretido os resistentes com a sua electrónica. VV, agora loira, continua tão abrasiva e massiva quanto o cáustico som dos The Kills, composto pelos pungentes e infecciosos riffs garage de Jamie; o enérgico nervo do grupo não só propaga somente nas veementes (e recentes) Heart Is A Beating Drum ou Future Starts Slow, como ainda faz mossa nas mais apaziguadoras (ah, como se fosse possível) Black Balloon ouThe Last Goodbye – nesta, alguém acabou por desfalecer na plateia, levando VV a interromper a música a meio a fim de verificar se estava tudo bem com o individuo. A emoção chegou logo depois, com Alisson a dedicar-lhe o que restava da canção de Blood Pressures, o que elevou os índices de simbiose entre público e banda a um nível raramente testemunhado neste fim-de-semana.