Sábado. Dormir até às 3 da tarde. Comer. Ir para Algés. Náusea a pensar em mais massa. Sede de café. Comboio. Café e jornal. Estão a ver a cena, não estão? Andar em roda viva das 8 da manhã até às 4 da manhã durante 3 dias é uma provação equivalente àquelas super-maratonas que atravessam o deserto e o Pólo Norte e acho que mesmo esses tipos iam sucumbir a quatro dias seguidos de Alive. Eu sobrevivi, estou orgulhoso, mas fiquei feliz de ouvir o Álvaro Covões anunciar no final da noite que, para o ano, o Alive só vai ter três dias: 12, 13 e 14 de Julho. Para o ano, e durante cinco anos, a gente volta a encontrar-se em Algés (isto foi dito de lagriminha no olho. Ou não).

E agora a música. Os Wu Lyf foram a primeira e agradável chapada na cara de quem ameaçava desfalecer em frente ao palco principal e a crueza e atrevimento de quem faz noise-hip-hop (é assim por aí), conquistou dois ou três e deixou o resto do público com um ar desconcertado. Se calhar também eles tinham acordado às 3 da tarde. Depois de um salto à zona de imprensa (que ainda não disse, mas foi pomposamente chamada de press lounge), deu para descobrir que Dizzee Rascal não ia chegar a tempo de actuar, tendo sido substituído pelos Diabo na Cruz. Fogo, porta-aviões abaixo.

Com uma dose de café a ser administrada via intravenosa, deu gosto ver a genica dos bons rapazes (e menina) que são os Linda Martini. Parecem o Juskowiak, têm a vantagem de ter dois pulmões e duas pernas. São assim omnipresentes na música portuguesa e palco são quase omnipotentes. Dá gosto ver uma banda jovem atrair tanto público, que fica por ali não a trautear, mas a cantar até perder o fôlego, as letras de Amigos Mortais,Mulher a dias e, claro, Amor Combate. «Agora sem merdas, este concerto é melhor se vocês também trabalharem para isso. Vamos lá malta, vamos fazer uma coisa bonita». Foi mais ou menos isto que Hélio Morais, imparável baterista, disse a certa altura e que até funcionou como despertador para o público que subitamente parecia ávido de desejo sónico. Mais uma vez, fica notória a entrega, a vontade e o desejo que esta banda tem de subir ao palco: fá-lo sempre como se fosse a primeira e última vez.

Os White Lies, mais um filho (muito bastardo) daquilo que hoje em dia se chama pós-punk – eu prefiro neo-gótico-punk -, iam entretendo a malta no palco Optimus e houve quem reconhecesseBigger Than Us sem dificuldades, mas o nosso objectivo chamava-se Foals e tocavam no palco Super Bock. Mais uma voltinha e estávamos perante a malta de Brighton que estava aqui para fazer esquecer uma semana em que lixo era palavra de ordem e em que as pernas pareciam gelatina. De meio da tenda, ficou patente o virtuosismo, as ganas e a vontade da banda e ainda mais do público. Eu, no meu canto, aguentava o riso por me lembrar que em Espanha os vira sem pagar e que esta gente tinha pago no mínimo 50 euros. Nada contra, minha gente, mas tem piada. Em relação à música, mais concretamente e como já se tinha dito, o virtuosismo enche o olho, mas tal como os Liars, a componente dançável em palco ganha uma dimensão notável. Foi mais uma estreia, ganha às custas de temas como Red Socks Pugie e Electric Bloom e que se vai rogar para voltar em breve.

Eu juro que queria mesmo ter visto os Kaiser Chiefs, queria mesmo, mas vá lá, o Kyp Malone e o Tunde Adebimpe iam estar a menos de dois metros de mim, eu ainda não os tinha visto e a ansiedade prendeu-me os pés ao chão (vim a saber depois que o Ricky Wilson andava de um lado para o outro a beber, a cantar, a saltar e a correr. Ao mesmo tempo. De resto, é aquele velho rock com pop e coros para serem cantados em sing-along. TV on The Radio anyone?). Não sei há quanto tempo andava à espera de ver esta gente tão geek quanto freak em palco, mas a espera compensou. É verdade que, como hipster que sou, só gosto dos EP’s e do álbum de estreia, o monumental OK Calculator, mas é os grandes cérebros são intocáveis quando se juntam. Longe dos tempos negros e dos humores depressivos (lembram-se de I Was a Lover’?), mas sempre com o fuzz debitado por Tunde como companheiro inseparável, os TV On the Radio souberam agilizar-se e nos últimos anos abriram o leque a outras sonoridades. Agora não se espantem se ouvirem mais soul, mais funk e mais dance. Aliás, o que se fez mais naquela tenda e durante uma hora, foi dançar. Houve muito poder, uma voz impagável a dar corpo às intenções transparentes de divertir por parte da banda e uma comunicação e entrega ao público que nunca precisou de ser dita, mas foi pressentida por toda a gente. E chegou. Por nós (ou por este que vos escreve), eles são das melhores bandas ao vivo na actualidade. Xamânicos, professorais, enérgicos, texturais e muito sexy… faltam palavras. E nada melhor que Wolf Like Me para fechar.

Depois de passar a espessa aura mágica dos TV on the Radio, impunha-se ver os últimos membros da família rock que o PA’ veio visitar ao Alive (começámos com o Tio Iggy, o primo Dave, o padrinho Nick e agora era altura de ver os primos Navarro eFarrell). Antes disso ainda nos cruzámos com Kyp Malone e fizemos planos de o raptar ou simplesmente abraçar, mas a emoção tomou conta de nós e deixámo-lo caminhar incógnito até ao tourbus. Enquanto limpávamos as lágrimas por temos deixado fugi-lo, as contas diziam que esperámos 21 anos para ver Jane’s Addiction – sim, Ritual de Lo Habitual já andava aí quando muitos de vós nem um projecto eram – e que o mais certo é que agora estevissem semi-mortos e fossem deixar-nos a contar as horas até podermos ir para casa.

Não podíamos estar mais enganados. OK, toda a história do pano negro a cair quando se ouve o Perry Farrell a cantar está mais que batida, mas ter duas bailarinas suspensas por argolas presas à carne das costas é uma boa forma de prender a nossa atenção (e a da Lady Gaga, que se sabe disto vai começar a fazer o mesmo). Como quem diz «Olha, espera lá que a gente ainda sabe». E não é que sabem mesmo? O falsete de Perry Farrell denuncia a faceta glam, quase travestida, dos Jane’s, mas o baixo fretless e a guitarra em constante distorção de Dave Navarro (demasiada pele à vista, meu) davam uma toada bem próxima dos Blue Öyster Culte que davam vontade de ficar por ali. Com muito humor e provocação, Perry ia sabendo cativar os fãs da frente. Fossem homens ou mulheres, tudo parecia ser peixe para a rede andrógina de Perry – a velha boa tradição dos New York Dolls -, que sempre que pôde aliciava e provocava o público (muito a leste daquilo que se passava). E se isso não causava o choque que era preciso para agarrar quem por ali andava, a banda também tinha uma resposta: rabos e mamas. Pronto, não foi assim tão gratuito. Na verdade, até houve um bocado de bom gosto da parte das bailarinas que, sempre em fundo, faziam a ponte entre o burlesco e o ocasional striptease, mas sem ofender o que fez com que a pouco e pouco o público aderisse (Just Because também ajudou, vá).

Dave Navarro, o senhor da guitarra, é sem dúvida o trunfo maior desta banda. Sem falhar uma nota, sem ser mais apalhaçado que as unhas pintadas de negro, e sem ser musculado em demasia, foi tecendo riff a riff uma rede sob a qual Perry Farrell e a banda constroem as suas canções. Demorou, mas valeu a pena e o rock ‘n’ roll afinal é tão entusiasmante como há 20 ou 30 anos. Deste lado o entusiasmo é que já não era o desejável. Ainda assim, compensou chegar àquela que foi a nossa segunda casa, o palco Super Bock, e ver os Orelha Negra a servir a dose certa de funk, soul, groove e samplagem imaculada. Samuel, o Puto, não se coibiu de mostrar ao mundo que os Black Sabbath fazem eco no mundo do hip-hop e não ficam assim tão mal depois de ouvir Beyoncé. Por nós, os Orelha Negra eram a banda-sonora obrigatória de qualquer dia de uma vida.

E agora que falam nisso e tento perceber porque é que raio é que os Boys Noize arrastam tanta gente (Gold Panda, por exemplo, teve muito menos gente), vou ali buscar a minha dose de cafeína, curar os calos e hibernar um pouco. Ah, e vemo-nos para o ano!