E ao terceiro dia, houve choros, lágrimas, gritos de raiva e, dizem as más-línguas, desmaios. Motivo: a instabilidade e insegurança revelada por uma das traves que segurava o palco Optimus e que levou a organização a atrasar o concerto dos Klepht, The Pretty Reckless e You Me At Six para depois os cancelar. O pior, para a grande parte do público que estava ali com 16 aninhos, era a possibilidade de os 30 Seconds to Mars também cancelarem. Não cancelaram e para todos vós, que seguem o PA’ atentamente e de coração nas mãos, podemos dizer-vos que o concerto foi… Bom, simplesmente foi. Mas acho que o Jared Leto não acertou nenhuma nota. Valeu pelos Chemical Brothers a fechar a noite, mas a esses já lá vamos. Antes vamos continuar à ordem cronológica e começar pelo início da tarde.
Os Friendly Fires começaram com genica, muita genica, mais do que a esperada para as cinco da tarde e com o seu rock dançável (!!! diz-vos alguma coisa?) motivaram as primeiras reacções de alegria, dança e aplausos. Merecidas, mas que eram ainda tímidas face ao potencial que a banda mostrou para actuar mais tarde nessa noite. Aguarda-se um regresso. De seguida na linha estava o duo Angus & Julia Stone. Gente bonita, a fazer música bonita, mas bonita demais. A folk sarapintalgada de vaudeville (gostámos de ver os trompetes e as baterias e os violoncelos em palco) entusiasmou, mas era constantemente ameaçada pelo palco Optimus Clubbing, onde se celebravam os 25 anos da Dim Mak de Steve Aoki. Ainda assim, o duo acabour por se proteger com a sua própria musicalidade, que às vezes parecia brilhar ainda mais que o sol que lá fora estava tapado por nuvens carregadas.
A cumprir o quilómetro 264 (o PA’ fez um total de 438 quilómetros entre os três palcos e a sala de imprensa ao longo dos quatro dias), apercebemo-nos de que no palco Optimus Clubbing a festa começou bem cedo. Há muitas mãos no ar e até um par de muletas é perceptível na multidão. Por entre um riso escarninho, siga para bingo até ao palco Super Bock – os Fleet Foxes estreavam-se em palcos nacionais e era imperativo vê-los. Curiosamente, foi por causa destes tipos que se viram as primeiras lágrimas no recinto. Uma fã, uma ultra-fã aliás, passou grande parte do concerto colada à grade e a abrir as comportas aos canais lacrimais sem cerimónias. Foi bonito de ver, nunca antes pensei que se pudesse chorar daquela forma por seis tipos que parecem saídos de uma comunidade hippie. Ou então talvez se perceba. A sensibilidade deles para a música não fica atrás da de uns Grizzly Bear. Mas o apoio musical é inteiramente folk, aquela folk dos anos 70 e que se faz ouvir através de guitarras de seis e doze cordas, um contrabaixo, piano e vozes em coro harmónico. A escola dos Beach Boys vive (mas sem a bipolaridade de Brian Wilson e as drogas californianas), a dos Animal Collective de Feels também e os Fleet Foxes mostram que hype aqui não há nenhum. Em vez disso, criaram um novo fôlego para a folk que ainda anda aí para as curvas e não é assim tão aborrecida – antes sentimental.
Engolido que estava o enésimo prato de massa que servia de jantar/sobremesa/ceia e por entre umas larachas dedicadas ao Jared Leto e suas fãs, nada melhor que (rufo de tambores) Grinderman. Se o nome não vos diz nada ou se estiveram lá e não viram, espero que apanhem todos urticária na testa. Os Grinderman são nada mais nada menos que a banda de Nick Cave (nem me vou dar ao trabalho de explicar) e o seu parceiro no crime Warren Ellis (senhor de barbas fartas e que nos tempos livres faz arranjos para a Polly Jean Harvey, que também já namorou com o Nick Cave e que faz disto uma árvore genealógica extremamente talentosa. Tudo em família). O pano prateado que pendia em fundo de palco prometia classe. O fato preto e camisa branca de Nick Cave confirmaram que este ia ser um concerto com quilos de classe. Quilos e não toneladas porque o Nick decidiu cortar o bigode e agora anda aí imberbe como os fãs de 30 Seconds to Mars. Que caralho Nick? Não fosse o primeiro acorde, tocado com a energia de quem ainda não saiu da garagem, com tanta pujança, eu ia embora. Merdas à parte, percebeu-se desde logo que os Grinderman vieram aqui para mostrar a toda a gente o que é rock. Nick Cave fica bem de guitarra empunhada e no topo dos seus 54 anos está em melhor forma do que eu nos meus 23. Bem mais violento que o trovador negro, bem mais agitado que o trágico punk, bem mais presente que o Nick Cave contador de prosas sexuais, não se coibiu de pular, uivar, gritar ou atirar Warren Ellis ao chão (que quando não caía por causa de Cave, caía sozinho em delírios de exorcismo). Os Grinderman mostram, sem pudores, um romance badalhoco com o rock mais sujo, poeirento e barulhento que não deixam ninguém naquela tenda indiferente. Malhas – porque isto são malhas – como Grinderman ou Heathen Child são ao mesmo tempo êxtase e exortação, o que eleva a temperatura e o consumo calórico nos corpos que estavam na tenda. A fórmula é báisca, agrava-se na masturbação sádica dos instrumentos e… faz sentido? Se calhar não, mas ninguém quer saber. «You’re fucking amazing». Por acaso foi o Nick que o disse, mas podíamos e devíamos ter sido nós. Com o palco Optimus deserto – fazia lembrar um velho hospício abandonado por onde passava quando ia de férias aos 5 anos -, havia tempo de sobra para circular, comer, beber e parecer alguns dos escribas que foram convidados: um bicho social, sentado e alapado.
Mas àquela hora, apetecia sentir os meus ouvidos violados mais um bocado e fui espreitar os Atari Teenage Riot. Digital hardcore é auto-explicativo, não é? Alec Empire impõe respeito, quase medo, e Nic Endo não pára um segundo. Se calhar abusei na dose de violação. Siga para os Thievery Corporation, a ver se acerto na dose. Mas também não. O chill-out dos norte-americanos também é demasiado calmo e, apesar de haver uma cítara em palco, os devaneios orientais em regime sub-sónico não estava a bater – nem a juntar muita gente. Com isto tudo, no entanto, queimava-se o tempo que era uma maravilha e os Chemical Brothers estavam prestes a subir ao palco. Já toda a gente os viu, já toda a gente lhes conhece a fórmula em palco – um crescendo gigantesco -, mas a verdade é que não nos cansamos. Com mais ou menos influência etílica, o peso do rendilhado electrónico da dupla britânica irrompeu pelas colunas e, agora sim,começa a bater. No palco havia de tudo: lasers, ruídos que incluiam cavalos a relinchar, projecções que iam de borboletas a palhaços aterradores, um espectáculo de luz exímio… Bom, o ideal para fechar uma noite que já ia longa e cansativa, mas que ainda assim deu para levantar alguma poeira e instalar.
E quem não teve aquilo que queria com os Chemical Brothers e temas como Do It Again ou Hey Boy, Hey Girl, podia sempre ver o que os Digitalism andavam a fazer (nada de especial, descansem. Misturar rock com electrónica é demodé) ou ir perder a cabeça com Steve Aoki. Havia um extintor por ali, não havia? É que a partir daqui a memória fica difusa…