Ainda se lembram da primeira edição do Optimus Alive? Se não se lembram, deviam. Foi ela a responsável pela primeira, única e última vinda dos White Stripes a Portugal, pelo regresso dos moribundos Smashing Pumpkins e por ter deixado o Sam The Kid (e mais tarde o Boss AC) subir a um palco principal. E sim, nós ainda somos do tempo em que o Alive tinha apenas e só dois palcos, longe da megalomania que ostenta em 2011, com cinco palcos (se contarmos o pórtico e o coreto) em constante corropio. É inevitável olharmos para o festival e não lhe dizermos «Ena pá, estás grande!» – exactamente da mesma maneira que a tia Adelaide nos diz quando nos vemos no Natal.

A verdade é que, queira-se ou não, o festival cresceu. Mais banda, mais gente, mais gente desinteressada, mais bandas desinteressantes. Mais desequilíbrio e entropia, pelo menos se tivermos em conta um contraste do palco principal para o secundário – e até mesmo dos palcos em si.

Ontem viu-se isso facilmente, graças à presença dos Coldplay, esse bicho andrógino com manias de grandeza. Como dizia o outro, as pessoas eram às resmas, às paletes. Estavam em todo o lado, algumas com um sentido tão fashion como o de Patrick Wolf, outras prontas para desfilar de saltos altos, outros tão bêbedos como o Paul Gascoigne (e pelo menos um bêbedo como o Hasselhoff com incontinência). Havia de tudo e para todos os gostos e eram quase tantos como a quantidade parva de pó que insistia em sujar os cabelos delicados da populaça. Tretas à parte, o que (alguma) malta queria era concertos e música.

O sol ainda puxava a uma cerveja e a um abrigo arejado quando os Naked & The Famous abriam o certame. Com um som que por vezes faz lembrar o electro-pop dos The Knife (Karin Dreijer Andersson, eu amo-te), souberam levar o público a entrar no ambiente certo: boa disposição, pés a mexer aqui e ali, umas cabeças a abanar… O tipo de situação que estamos à espera que se mantenha e que não seja roubado logo a seguir por uns Avi Buffalo esforçados, mas sensaborões: um indie repisado e já usado por tantos outros que ainda foi esbarrar numa grossa parede de graves.

No palco principal, Greg Dulli, senhor rock n roll, queria ser Chris Isaak, mas não conseguiu. Os Twilight Singers têm potencial FM, têm tudo para agradar às fãs de meia idade, mas também eles foram mal colocados aqui. Mas que quem tem Greg Dulli como aperitivo para James Blake acaba por ter um dia maior que o anterior, disso não há dúvida.

Era efectivamente o britânico que reunia mais expectativas em torno da sua atenção. Aquela coisa do costume: adulado em todo o lado, estreia em Portugal, um disco brilhante, uma produção cristalina, um génio da música… Enfim, faltam adjectivos positivos para descrever James Blake e o seu trabalho por detrás de uma mesa de mistura e aquilo que se queria era que ao vivo a experiência fosse tão intensa como em disco. E foi.

Com uma carga dramática e emocional apoiada em pós-dubstep repleto de graves, James Blake encheu a tenda com o seu espectro e aura musical. Acreditem, se aquele espaço tivesse paredes, elas agora tinham rachas. Tímido, sem dizer mais que “obrigado, é mesmo bom estar aqui”, James trilhou de forma segura os seus caminhos negros, sombrios e até ébrios. Lá na frente, eram vários os fãs em êxtase que cantavam e aplaudiam, rompendo com a espessura da música e criando um contraste nítido com temas como Wilhelm’s Scream. Foi bom ver gente a chegar, encarar Blake como um OVNI e ficar por ali a admirá-lo até ao fim – sim, houve gente que ficou mesmo depois de ouvir Limit To Your Love.

A caminho do palco principal, a Amor Fúria continuava o seu showcase no palco Optimus Clubbing. Para que conste, ninguém ficou magoado durante os concertos que durante a actuação dos Coldplay chegou a reunir uma dezena de pessoas. Adiante.

Estava mais que na hora de duas gerações de mulheres igualmente belas (cada uma em seu tempo) subirem a palco. No canto azul, Debbie Harris e os seus Blondie; no canto vermelho, a fogosa Anna Calvi. Ora, considerando a idade de Debbie Harris e a minha pancada por ela, sou obrigado a reconhecer que continua bastante bem fisicamente. Mas é essa mesma idade que lhe retira alguma capacidade e flexibilidade vocal e que por vezes a parecia deixar desorientada no palco. Não obstante, os Blondie são os Blondie e quando encarrilam não param mais. Foi só pena que entre Maria, Call Me e tantos outros hinos surgisse uma versão cansativa de Fight For Your Right. Anna Calvi respondia de Fender em punho, vestida de vermelho e com uma frescura lânguida digna da sua idade. Muito bem vestida, sensual e acompanhada de uma banda versátil e muito ecléctica, respondia à nu-wave dos Blondie com uma variedade estilística que ia da chanson française ao rock escorreito que conquistou o bigode de Nick Cave. E também houve uma versão, mas com classe: Jezebel, de Edith Piaf, sentida e em plenos pulmões foi a estocada final num coração frágil como o deste que vos escreve. Bravo, miss Calvi, bravo.

Foleirices à parte – até porque nós não queremos competir com os Coldplay -, com a hora a avançar chegava a vez dos These New Puritans. Estes bons rapazes são um filho bastardo da one night stand que os Liars tiveram com os Joy Division. Passamos a explicar: há uma atitude pós-punk atmosférica herdada dos Joy Division que, por fruto do acaso (ou não), encaixa na perfeição na costela artística dos Liars. Não é por acaso que em cima do palco estão dois instrumentos de sopro – um trombone e um trompete, se não estou em erro – que vieram para assombrar e adensar a atmosfera. O público, de resto, podia ter estado num concerto de Ian Curtis e companhia: por mais que fosse a actividade no palco, cá baixo ficava-se estarrecido, de olhos vidrados postos no passado e no futuro que já se perdeu. Mas também, de outra forma um concerto destes rapazes não podia ser vivido. Valeu o empenho, que àquela hora com os Coldplay no palco, foi bem acima da média.

Por falar em Coldplay, sabiam que o Patrick Wolf fez uma versão dessa gente? Sim, toda a gente fez versões hoje e esta foi, no mínimo, irónica. Ouvir a Yellow a sair de dois PA’s diferentes no mesmo dia é aberrante e uma entrada a pés juntos, mas o londrino remediou-se depressa e soube implantar uma aura optimista e alegre naquele espaço. Uma autêntica viagem no tempo – confirmada pela camisa às bolas brancas de Wolf -, até ao coração do melhor que os anos 80 nos deram. Roxy Music aqui, Tears for Fears ali e um toque de contemporaneidade e modernidade no cerne musical. Foi o toque que faltava para o festival reacordar do torpor dos outros senhores e ficar plantada a semente dançável que os Example viriam a disseminar.

Com muita gente no recinto, muito mais do que ao início da tarde, a banda de Elliot John Gleave entrou no Alive com arromba e debaixo de uma ovação rara no palco Super Bock. Chegaram com hip hop orgânico, laivos de reggae balanceados pela electrónica e apanharam facilmente o mais incauto dos ouvintes. Bem vistas as coisas, os The Streets e os Basement Jaxx já fizeram isto e bem melhor, mas a fusão desta gente arrancou aplausos. Deram o que puderam e o mesmo é dizer que deram ao Alive aquilo que Eládio Clímaco quer ver nos concorrentes portugueses à Eurovisão há já algum tempo: um tom de festival. Soa tão bem como a roupa que o Rui Pregal da Cunha tinha enquanto “girava” discos, mas ajudou a salvar um dia morno e dominado pelo senhor que chama maçã à filha e companhia.