Cheirava a marijuana no Passos Manuel, na noite de segunda-feira. Pudera: os OM iam passar pelo palco do cinema portuense e não se desejava outro estado que não o mais meditativo possível, o mais cambaleante. E foi, realmente, uma sessão de música inebriante.
Iniciadas as festas pelas mãos de Gustavo Costa e do seu Most People Have Been Trained To Be Bored, em que o músico nortenho hipnotizou a audiência através de uma sucessão de loops electrónicos, adornados por mil e um instrumentos de percussão, que é, de resto, a sua especialidade.
Numa aparente aleatoriedade, o baterista apresentou uma desafiante primeira parte para as atenções, sem nunca se abstrair da musicalidade, tão difícil de não perder num experimentalismo contínuo à base de percussões.
Mas era para OM que o cheiro extasiante a oriente fumável pairava no ar. Arrependamo-nos, os que não se juntaram às práticas menos lícitas. Al Cisneros e Emil Amos, acompanhados pelo possuído Rob “Lichens” Lowe, começando a sua actuação com uma silenciosa Meditation is the Practice of Death, ditaram de imediato o lento ritmo para a actuação espiritual que exalaram dos graves amplificadores.
Impondo o silêncio na plateia do Passos Manuel, absorveram nas suas divagações esotéricas todos os presentes, que ora se perdiam em gestos de sonolência provocada, ora cabeceavam pesadamente ao ritmo dos baixos do guru Cisneros, cantando as suas preces de God is Good (que tocaram na íntegra), Pilgrimage e Conference of the Birds.
Nem mesmo a paranóica interacção do ex-Sleep com os seus amplificadores, alterando e modelando constantemente o som até praticamente ao fim do concerto, conseguiram quebrar o encantamento emanado pelos OM, ora intensificado pelas distorções e pelos rápidos e precisos brakes de bateria, ora pelo quase-surdo pizzicatode Cisneros.
Muito resumidamente, foi uma noite em que todos comungámos de um amor secular pelo riff e pelos ritmos arrastados. Atentamente, o Passos Manuel fez questão de escutar o evangelho segundo os OM; e toda a gente provou o pecado mais saboroso: o prazer de saber que há música que, na sua simplicidade, consegue ser maior do que ideias. O transe ininterrupto de Lichens que o diga. O estado hipnótico da sala que o diga.