Num palco absorvido pelas sombras que as parcas luzes conseguiam projectar, três silhuetas emergiram: Al CisnerosEmil Amos e o convidado especial Rob Lowe. Se o último já conhecia a casa, depois de trazer o seu projecto Lichens em Fevereiro de 2010, os outros fizeram da ZDB o seu deserto à Médio Oriente, adjectivando-o com aquilo que melhor sabem criar: linhas de baixo desenhadas a volúpia e uma bateria que se faz passar por uma darkuba em êxtase. Por cima disto, uma voz de um monge, que vive no corpo de um rapaz de Oakland e que acorda especialmente nas noites em que OM decide sair à rua.

A rua escolhida, desta vez, foi a lisboeta Rua da Barroca. E para inaugurar a noite, Al Cisneros decidiu pegar no baixo e tocar Meditation is the Practice of Death, faixa deGod Is Good (2009), o mais recente álbum da banda. Se a princípio a voz e o baixo de Cisneros pareciam sufocados pela bateria de Emil Amos, a situação foi melhorando com o decorrer da música – e, no final, quando Lowe deu a sua mágica contribuição com a guitarra, os ajustes da mesa de mistura aparentavam ter resultado.

A confirmação da melhoria sonora veio com Rays of the Sun – To the Shrinebuilder, uma das faixas mais agressivas e groovies de todo o catálogo de OM. Não foi de estranhar, portanto, olhar para Lowe e vê-lo numa situação de quase-transe, agarrado à sua tambourine, numa embriaguez instintiva de quem se rendeu por completo à vibração de Cisneros EmilLowe não era o único: vários dos presentes já se tinham entregue de livre vontade à viagem hindu, comprovando-o com impetuosos movimentos corporais. A faixa do split com Current 93 mostrou-se a Lisboa como o primeiro ponto alto do trio americano.

Seguiu-se mais um pedaço proveniente de God Is GoodCremation Ghat I eCremation Ghat II foram tocadas de rajada, num rito tribal. Rob Lowe fez-se ouvir, ululando em modo próximo a um zaghareet, enquanto os seus companheiros se dedicaram à criação de múltiplas ambiências eremitas, correspondentes a cenários mentais alimentados pela tradição hindu de cremar cadáveres junto ao rio. Se as ruas do Bairro Alto se tivessem transformado, de repente, em refúgios portuários da cidade Varanasi ou Katmandu, ninguém estranharia.

E se fosse a egípcia Giza? Muito menos se notaria a diferença; principalmente depois de Al Cisneros tirar o gorro, limpar o suor, voltar a colocar o gorro e tocar as primeiras notas de At Giza, faixa de Conference of the Birds (2006), que foi de imediato aplaudida em urrante modo por muitos dos que estavam na ZDB. Naquele que foi, provavelmente, o apogeu de toda a actuação de OM, os três músicos estenderam a música até aos vinte minutos, numa convulsão tântrica capaz de estimular um ser catatónico. Do pulsante nirvana provocado pela junção de todas as partes, até ao semi-silêncio sepulcral do baixo de Cisneros a solo, At Giza colou-se à pele e alma dos que assistiam ao derrame musical em dialecto sânscrito. Ponto e vírgula no concerto, mais uma série de aplausos e o abandono dos três músicos para o backstage.

No regresso, apenas Cisneros Lowe surgiram em palco. Bhima’s Theme foi a escolhida para o fecho do concerto, numa incursão a Pilgrimage, terceiro álbum do grupo. Em modo mais lento e ambiental do que a versão original, Bhima’s Theme foi também ela apadrinhada por um Lowe de voz aguda e audível, em seis/sete minutos de homenagem contemplativa ao herói de Mahabharata. A partir daí, Emil Amos regressou à bateria, para uma apoteose final, terminada com um simples thank youde Al Cisneros. De forma descomprometida saíram, tal como entraram.

Para trás fica um concerto imponente, testemunhado por uma plateia que não se importaria de ter sido israelita por uma noite, se com isso tivesse ganho direito a cinco horas de actuação. Em Lisboa, os OM não chegaram a duas, mas fizeram cheque-mate, ou não fosse Cisneros um professor de xadrez em tempos livres.

A primeira parte ficou a cargo do português Gabriel Ferrandini. O baterista que, normalmente, actua acompanhado (participando nos mais variados projectos – do RED Trio à Variable Geometry Orchestra), surgiu sozinho em palco desta vez. Durante trinta minutos, desferiu uma dose de free jazz, ora contemplada com aplausos de quem gostava do que ouvia, ora com risos de quem não apreciava a demonstração avant-garde de Ferrandini. Com reacções diversas, o baterista cumpriu a tarefa para a qual foi designado, sem, no entanto, deixar recordações fortes.