Num sussurro majestoso Ricardo Remédio recebe o seu público com um “Banquete” – o sinal de abertura para o seu imaginarium oculto da maquinaria. O que há de pútrido em “Natureza Morta” vai lentamente ganhando vida, exortando as suas raízes carnívoras, arrastando-nos para a sombra. Engolidos pelo nevoeiro húmido que se respira naquele palco virado floresta, o ruído sináptico propaga-se em vectores para bater de frente com a estratosfera. Ricardo Remédio patrulha os sintetizadores em ordens sensoriais de carne viva. Espinhos que nos arrancam o escalpe. Por fim, esfolados, evoluímos de instante em instante para a absoluta petrificação. As agonizantes vozes de “Suor Noturno” e “Vigília” decretam o fim deste ritual repartido entre a fantasmagórica intenção e a quimérica certeza. As ninfas e outras espécies raras que por ali moraram em 30 minutos, devolvem-nos o ar quente que lhes serviu de alimento.

Amistoso é a palavra ideal para descrever NOTHING, principalmente Nicky Palermo que foi o moderador nomeado para estabelecer ligação com os presentes. Elaborando um estudo longitudinal e de observação em perspectiva, “Guilty of Everything”, e principalmente o EP “Downward Years to Come”, permanecem ainda as propostas mais interessantes que lhes conhecemos – e não os conhecemos desde ontem. O frio post-punk desses primórdios galgou, de lá para cá, uns degraus na escala de Celsius, chegando a um “Tired Of Tomorrow” que é sempre mais morno do que quereríamos, feito por uma banda que já não parece bem aquela que se perdia de amores por escritores quase ou mesmo suicidas – CioranPathBrautigan. Os NOTHING parecem mais confortáveis agora, mas também mais letárgicos nos ritmos cinicamente festivos de “Vertigo Flowers”.

Envolvidos nesta apatia amarelada, eis que o nosso fluxo sanguíneo aumenta quando os americanos da Pensilvânia tocam “Chloroform” – vinda de um split com Whirr, que nos recorda a ausência do baixista original da banda Nick Basset, ausente nesta tour europeia. Não desmaiámos, mas foi o momento ideal para viajarmos até ao passado e inspirarmos o liquido incolor e volátil naquele estado gasoso que os shoegazers parecem alcançar mais depressa do que qualquer outro.

Entre músicas partilham problemas técnicos e a mesma garrafa de vinho. Talvez fosse um tinto encorpado, ou mesmo Douro já a pensar na Cave 45 que se seguiria, porque “Get Well” e “B&E” representaram um cacho de adrenalina dionísia, tão necessário no que já se mostrava uma noite bem dormente. A última foi mesmo a que mais aplausos sacou ao Musicbox, pois não há nada que funcione tão bem como um crescendo melódico bem medido.

O encore veio estanque e bêbado como os sessenta minutos anteriores, num clímax que se deixou ficar pela intenção. Pousadas as guitarras, vieram cá para fora conversar connosco: vem aí o primeiro LP de Death of Lovers e outro longa-duração de Night Sins. A noite valeria a pena só por saber isto.