Atípico é a palavra que melhor descreve o Primavera Sound. Apesar de parecer similar a tantos outros festivais a céu aberto, distingue-se pela relva verdejante e pela inexistência de espaços de campismo. Este não é o festival para o adolescente que trouxe a mochila às costas em busca de novas experiências. Em vez disso, vive-se uma atmosfera madura celebrando os ensinamentos de Epicuro. Recordam-se os tempos áureos de vigorosidade e tenta-se resgatar aquele sorriso inocente e verdadeiro. Vive-se para a aparência e não para o ser. Existe ainda uma estreita correlação entre este festival e o Instagram, não estivesse este repleto de mulheres com flores na cabeça, mantinhas axadrezadas e tascas da moda.

  • 4 de Junho

O dia irrompeu cinzento mas o desalento quebrou-se quando Patti Smith surgiu em palco. Ninguém fica indiferente à sua presença e concertos destes ficam bem em qualquer currículo. Sentiu-se empatia pela forma como acenou para o público, não fosse esta Mulher uma figura icónica de uma geração. Fiquei agradado pela informalidade com que lidou com o público, fez-nos sentir velhos amigos. Ainda assim, é lamentável que o espaço não tenha abonado a seu favor. A organização colocou cadeiras, mas cedo esse esforço pela ordem e quietude se provou ineficaz. Acompanhada por uma banda cheia de frescura, Patti improvisou uma canção descrevendo as suas experiências pela cidade do Porto, dedicou uma música ao seu neto, e uma outra ao falecido matemático John Nash.

Passando a algo diametralmente oposto, fui espreitar FKA Twigs. Se atípico é a palavra para o festival, aparato é a palavra para este concerto. Foi algo tão plástico e artificial que foi impossível sintonizar a mente na performance de Tahliah Debrett Barnett. Todo o concerto se centrou nos seus movimentos e o público enlouquecia a cada contorção…

Foi com uma boa dose de interesse pessoal que dediquei a minha atenção ao concerto de Interpol. Apesar de a banda já ser bem conhecida do público português, foi a minha estreia. Enquanto apreciador do álbum “Turn On The Bright Lights”, recordei com carinho “Hands Away” e “PDA”. Os americanos deram um concerto bastante competente. Creio que eles têm o seu toque de peculiaridade quando comparados com outros projectos de esfera semelhante.

A noite adensava-se e o frio gélido causou um desconforto inesperado. Apesar disso, os Caribou deram a chance perfeita para o público bater o pezinho. Ânimo contagiante fechou o dia, mas o travo a um arranque frouxo imperou.

  • 5 de Junho

O segundo dia anunciou uma Primavera menos tímida. O anoitecer proporcionou-se para os Electric Wizard contribuírem com um pouco de bruxedo perante um festival tão bonitinho. Confesso que por momentos pensei que estava a viver o ano de 1970 – calças à boca de sino, coletes de ganga e projecções recheadas de psicadelismo, seios dançantes e rituais de submissão. O público viveu intensamente o regresso da banda a Portugal e expressou o entusiasmo e reboliço por vários momentos.

Seguindo novamente o trilho menos fofinho, os Pallbearer voltaram ao Porto depois da estreia no Amplifest. Mais uma vez, a prestação deixou muito a desejar. A presença da banda em palco é previsível e notoriamente fazem mais sentido em álbum do que ao vivo.

Levado pela falta de interesse do dia anterior, a abertura de espírito para me deixar contaminar pela atmosfera dominante foi quase nula. Graças a Satã que os wizards salvaram o dia mesmo à justa!

  • 6 de Junho

Finalmente a luminosidade e boa disposição tomou conta do festival. Manel Cruz actuou sob o sol ardente de um fim de tarde suado. A participação do portuense faz todo o sentido, pois personifica a cultura da sua cidade. Admiro também a sua capacidade de adaptação porque não é um acto naturalmente ajustado a um festival. Foi com algumas reservas que escutei músicas tão intimistas como “Canção da Canção Triste” ou “Algo Teu”. A verdade é que o Manel deu a volta à questão com aproveitamento. Questiono apenas se a sua verdadeira essência não se dissipou no processo. O encore flagrantemente encenado também não abonou a seu favor. Sublinho que o público aderiu bastante bem ao concerto e o portuense saiu do palco com a sensação de missão cumprida.

De volta ao palco de referência do festival, era a vez do deusThurston Moore. Fez-se acompanhar por outras entidades divinas como Steve Shelley (baterista de Sonic Youth) e Debbie Googe(baixista de My Bloody Valentine). Não pretendo retirar o mérito aJames Sedwards, mas foi difícil fixar as suas capacidades técnicas devido à fluidez e singularidade do deus Moore. Esta não é a opinião de um fanboy de Sonic Youth. Parti para o concerto sem expectativas e sem conhecer o seu trabalho a solo. Este concerto fez-me recordar bons momentos de edições anteriores do festival. Recordo o concerto de OM, no mesmo palco, banhado por fortes raios luminosos rasantes. Este foi, sem sombra de dúvidas, o ponto alto de todo o festival!

Mais tarde, de regresso à adenosina trifosfato (ATP), o palco apresentava-se assustador e enigmático. Confesso que desconhecia por completo Einstürzende Neubauten e foi com alguma dificuldade que digeri o acto. Aguçou-me o apetite mas, talvez pelo ruído vindo dos outros palcos, considerei o número dos alemães insípido.

Pela enésima vez, os Shellac voltaram ao festival. A guitarra do famoso produtor Steve Albini estava demasiado estridente. Nada a acrescentar, a banda é sempre competente.

Encerrei o meu Primagram Instasound com Pharmakon. Avassalador é o adjectivo que descreve a postura de Margaret Chardiet. A americana andou pelo meio do público e viveram-se até alguns minutos de tensão entre ela, o público, os seguranças e os responsáveis pelo palco. No domínio sensorial, trata-se de uma viagem dura pelo mundo interior, conflituoso e mal resolvido.

Em jeito de conclusão, pretendo demonstrar o meu desagrado perante esta edição do Primagram Instasound 2015. É um festival com muito entulho e um ou outro momento interessante. Diga-se que o entulho deste ano vigorou. Por outro lado, o som de alguns concertos e a iluminação deixaram-me repetidamente desiludido tendo em conta a dimensão do festival. Talvez tenha sido uma impressão estritamente pessoal, talvez tenha sido o desconforto sentido durante a noite pelo vento, mas a atmosfera desta edição não foi tão vívida como outras anteriores me habituaram.

Mais fotos do festival aqui.