Aguardava-se tempestade, mas São Pedro foi amigo das bandas e dos festivaleiros. Por várias vezes ameaçou chover. Pingos e céu cinzento, mas nada mais. Assim, os dramas no 2º dia foram apenas as opções musicais. Pixies ou Godspeed You! Black Emperor? Mogwai ou Darkside? Com um joker, o PA’ conseguiu acompanhar os principais momentos do dia.

Entramos no recinto ao som dos Midlake. São a prova de que uma banda de folk-pop melancólica, com muitas guitarras e harmonias vocais, continua a fazer todo o sentido em 2014. Tal como em Paredes de Coura há uns anos, será pouco dizer que deram um concerto simpático de final de tarde. Ficam um pouco esquecidos perante a qualidade do alinhamento do festival. Estão a dever-nos um concerto em nome próprio, para que os possamos apreciar devidamente.

Depois das Breeders (“Last Splash”) no ano passado, coube aosTelevision o momento “álbum nostalgia”. Na primeira grande enchente do palco ATP, tocaram o mítico “Marquee Moon” na íntegra, embora tenham aldrabado a ordem das músicas (o inconfundível riff de guitarra do tema-título ficou para o fim). O disco tem 37 anos e, nestes momentos, fica sempre a dúvida se estes regressos ainda fazem sentido (e já lá voltamos). Contudo, apesar da idade, a coisa mantém-se em palco com um certo nível e Tom Verlaine preserva uma razoável afinação. Longe, bem longe, da vergonha alheia de bandas como os The Fall.

De regresso ao ATP, é um prazer descobrir a música dos Pond. São australianos, de Perth, como os Tame Impala. Aliás, partilham com eles alguns membros e um certo revivalismo psicadélico. Ora vão a caminhos clássicos do rock, mais Led Zeppelianos, ora nos dão aqueles devaneios mais psicotrópicos, ora apresentam uma riquíssima sensibilidade pop. Prestam homenagem aos Television e fazem uma cover freak de “Earth Song”, de Michael Jackson. E deixam na retina as alternâncias rítmicas da belíssima “You Broke My Cool”.

Curioso contraste: enquanto os Pixies devem desfilar uns 4 ou 5singles, em Godspeed You! Black Emperor ainda só ouvimosdrones e pouco mais. Música paciente, em que os instrumentos vão entrando pouco a pouco (as guitarras, a percussão e os violinos mais solenes do mundo), de forma quase improvisada, quase como se fosse um soundcheck. Só que a magia acontece. Entramos numa viagem espiritual, sagrada e profundamente estimulante. Embalados por um verdadeiro muro de som, entre a distorção e a melodia, entre a violência de “Mladic” e a maior delicadeza de “Storm” (curiosa ironia). Embalados também pelas imagens, profundamente austeras, quase sempre a preto e branco. Até que ouvimos “Moya”. Aqueles violinos, aquela aceleração, aquele arrepio. E só pode ser um dos momentos musicais das nossas vidas. Viajamos um pouco de comboio pelo caminho e somos desafiados a não deixar esta odisseia a meio. Ao nosso lado, fãs internacionais de GY!BE dizem: “Who the fuck are Pixies?”. Estamos quase a seguir a ideia e mandar os americanos às urtigas, mas o dever chama. E respeitemos a lenda. Deu para ver seis músicas. Entre o clássico “Tame” e um tema novo, a coisa não passa da mera jukebox em piloto automático. E Black Francis parece cansado. A chama só se sente no final, na loucura mexicana de “Vamos” e na bela passagem, sem pausas, para a guitarra acústica de “Where is My Mind”. Voltamos a Godspeed. Perdemos parte da emoção, mas ainda conseguimos acompanhar a enchorrada final de “Behemoth”. O suficiente para garantirmos que está aqui o melhor concerto. Resta saber qual o universo temporal. Um concerto para um público fiel e vasto, mas longe da enchente de Pixies.

Num dia forte, há coisas que ficam para trás. É o caso da electro-pop de Trentemoller e da África electrónica de John Wizards. Neste último caso, é bem possível que tenha sido um festão. Assim, vamos continuar no pós-rock. Em vez de com “Heard About You Last Night”, os Mogwai abriram o concerto com as duas introduções das digressões anteriores (“White Noise” e a inevitável “I’m Jim Morrison I’m Dead). E, logo aí, nota-se a fraca qualidade técnica do som. Relativamente baixo, com os instrumentos muito desequilibrados (a bateria a um nível ridículo, por exemplo) e sem que a intensidade da música da banda escocesa se sinta devidamente. Pouco a pouco a coisa melhora, até porque o piano de “Autorock” é sempre lindíssimo e, do novo disco, “Deesh” e “Remurdered”, com uma maior dimensão electrónica, funcionam ao vivo de forma tremenda. Praticamente não falam com o público, a não ser os agradecimentos monocórdicos (escusados) ou, na parte final, para elogiar os Slowdive ou os Loop, que tocaram no mesmo dia. Para o fim, já depois do mais pop “Mexican Grand Prix”, onde a voz principal (não vocoderizada) praticamente não se ouve, chega o ponto alto. É sempre impressionante sentir as alternâncias rítmicas de “Mogwai Fear Satan”, especialmente quando, como é o caso, o público respeita de forma quase religiosa a parte decrescente da música. E “Batcat” cumpriu a função de catarse decisiva com uma reaceleração particularmente forte. Muito curto, sem a consistência de outros concertos passados, mas os Mogwai dão-nos sempre uma experiência de grande fôlego.

Para fechar o dia, as atenções concentram-se no palco Pitchfork. É lá que Todd Terje toca ou passa música. O norueguês é uma das revelações electrónicas do ano, com um disco mais duro e minimal. Esperávamos uma coisa menos uniforme, mais estimulante, mais acolhedora, mas nem por isso deixou de entusiasmar o público presente. Para os mais resistentes, a noite fecharia ainda com o set dos norte-irlandeses Bicep.

Para ver mais fotografias deste segundia dia do NOS Primavera Soundsegue até à página do PA’ no Flickr.