Após uma ausência de cinco anos, Joaquim Albergaria faz as honras do segundo dia no palco principal e lança um grito de guerra – The Vicious Five ressuscitaram. Todos os membros deste projecto já conhecemos há muito de outras bandas e participações, e quando há meia década declararam em carta aberta o fecho deste ciclo, nunca se pensou abrir uma pequena janela e vê-los novamente reunidos. Albergaria não poupa energia para PAUS [actuariam dia 12], agitando a barba de forma enérgica e eloquente, passando também por momentos mais ternurentos quando fala de “Young Divorce” – «É preciso desistir do amor para continuar a acreditar no amor». Os companheiros de palco acompanham com todo o frenesim e esplendor – percorrendo um pouco das malhas contidas nos três discos – o alvoroço por demais evidente tanto no movimento corporal como no tom de voz do frontman. Apesar de estaremjuntos apenas para um número reduzido de concertos, estes senhores rejubilaram.
A sua silhueta, franzina no trejeito e graciosa no esgar, faz-nos ter a certeza de que Lourdes Hernández guarda (ainda) num caderninho os versos de Feist. Agrafou-os nos silêncios de “Cigarrettes”- tema que em 2008 lhe deu semblante de musa solitária entre os singer-songwriter espanhóis – mas ao Alive chega amparada. Em redor, uma banda que lhe serve de barricada emocional para “Agent Cooper”; Março deu-lhe esse disco e é ele que a arrasta para os anos oitenta, numa vã tentativa de ser asensualona rainha do pedaço. No Heineken, bem catrapiscamos os olhos, mas a derradeira “John Michael” só nos faz recordar os penteados de Cindy Lauper. Preferíamos a outra Russian Red.
Gil Scott-Heron foi a referência necessária para perceber que estávamos perante um grupo que gosta de dar a voz e o corpo ao manifesto. Pelas palavras de “The Revolution Will Not Be Televised” apresentam-se assim os The Last Internationale, com uma bandeira anarco-sindicalista ao fundo, revelando de forma clara as suas convicções e opiniões de esquerda. Brad Wilk, figura bastante conhecida do público e baterista de Rage Against The Machine e Audioslave, dá alma a este projecto no drumkit, ajudando a vocalista à sua performance em palco. Delila Paz, cheia de genica e com o cabelo esvoaçante, revela garra ao acompanhar os rapazes no esforço rock, faltando-lhe apenas uma pitada de audácia na sua postura. O momento chave do concerto ficou marcado pela interpretação a capella de “Grândola, Vila Morena”, altura em que nos apercebemos que um dos membros é descendente de portugueses. Terminam com “Revolution”, o resumo ideal para o seu repertório, numa homenagem ao Maio de 1968.
Alguma coisa os Parquet Courts fazem bem. O público esparramado na relvinha artificial do court Heineken dá toques de incómodo: boceja, conversa, espreguiça-se, vira costas e ajusta asleeve impregnada de tatuagens artificiais. Eles, uns tipos que ainda vagueiam na pequeníssima What’s Your Rupture [antigalabel de Fucked Up ou Iceage], afiambram-se ao rock meio The Modern Lovers, de voz desafinada e riff pronto a despentear-se no noise. Para o Alive, que procura digestões fáceis e um final de tarde sem solavancos, os Parquet Courts foram aquele mosquitinho irritante que buzina ao ouvido de minuto a minuto. Nós deixámos o repelente para mais tarde. Convidámo-lo a pousar, testámos as aguilhoadas desse “Sunbathing Animal” e gostámos de quando a guinadela esbarrou no fulgor garage.
O psicadelismo pretensioso dos MGMT ficou retido numa qualquer sala de embarque. Lá, o calendário amarela com o tempo e ele, o tempo, não sai de 2008. O elevador, há anos enfiado no mesmo rés-do-chão, regurgita num loop eterno “Kids” e “Electric Feel” – é esta a vida de Benjamin Goldwasser e Andrew VanWygarden desde que hype train os abandonou de calças na mão nessa tal salinha de partidas e chegadas. Os MGMT precisam de trocar o seu “Oracular Spectacular” por uma Ouija board que lhes dê superiores indicações para fugirem do cativeiro. Até porque, acrescente-se, esses requentados hits já não cabem na jukebox do Alive 2014. Ou por acaso o Sam Smith cantarolou alguma malha deles?
O propalado puto maravilha da R&B britânica foi aclamado com um histerismo natural. Se há pouco tempo atrás limpava retretes em Londres, Smith é hoje aquele arquétipo trunfo de um evento como este: qual colectânea NOW [inserir número], vai destilando amores radiofónicos. Interpreta “Do I Wanna Know?” dos compatriotas Arctic Monkeys e não esquece quem o ajudou a aumentar a conta bancária – a cada “La La La”, o palco Heineken vai enchendo qual reflexo de Pavlov. O rapaz canta muito, é certo, e o espanto que lhe arregala aos olhos por ver Lisboa aos berros em “Money On My Mind” enternece-nos. Mas mora nele o resumo do festival – um encapsular de êxitos virais, que vão servindo de adorno para uma selfie, duas selfies, três selfies.
No dia em que toda a gente aguardava de pedra e cal os cabeça de cartaz, eis que o momento chega e, instantaneamente, o sentimento é de exaltação. Num ápice, essa euforia cai por terra quando nos deparamos que, ao longo do tempo, a única coisa que anseiam é o grande hit “Lonely Boy”, destacando-se ele como o único marco de verdadeira rebelião. Para quem conhece The Black Keys, depressa denota claramente que os novos fãs estão enfadados e apáticos com o que se passa à sua frente. Embora o estado de espírito da velha guarda não seja muito diferente – a banda de Ohio incidiu nos dois últimos trabalhos, mas mesmo assim houve espaço para recordar malhas mais antigas como “Tighten Up”, “Howlin’ For You” e “I Got Mine”.
O último álbum, naturalmente mais reforçado que os anteriores, revela uma metamorfose na linhagem musical com especial enfoque para as guitarras menos arrojadas e um timbre mais estável, sem agitações. A conjuntura global, particularmente ao nível das condições sonoras [som baixo] e a postura pouco frenética do público, proporcionaram um forte handicap, comprometendo a intensidade do concerto.
De perna ao léu e sandália no pé assim se apresenta Au Revoir Simone. Com as falhas técnicas no início, conseguimos perceber alguma inquietude por parte de Annie Hart. Defronte à multidão, esteve sempre com um sorriso embaraçado nos lábios, provavelmente causado pela demora da resolução do problema. Assim que ficou tudo a postos, as três meninas de franja começaram a dar os primeiros toques nos teclados sintetizadores e a voz de Erika Forster logo ecoa pelo palco Heineken, aglomerando-se de pronto cada vez mais fãs e curiosos. A animação estava garantida principalmente pela parte de Annie Hart, que em todas as músicas dava o seu toque personalizado – através de movimentos de dança com toques de uma odalisca e dançarina do hula, promove sensualidade e erotismo atraindo olhares masculinos. O ritmo fervoroso e magnético é constante em todos os instantes suscitando um misto de melancolia e agitação. As malhas também ajudaram a embelezar aqueles sessenta minutos, destacando-se “Crazy”, “Shadows” e em especial “Knights Of Wands”, tema que se estreou em palco na Aula Magna, há cinco anos. Arrebatadas pela calorosa recepção, não se contiveram em elogios repetitivos, levando consigo alento de missão cumprida.
Os vigorosos glúteos de Blaya hipnotizam olhares femininos e masculinos. Está tudo fixado nos ecrãs gigantes; quase nos dá vontade de aconselhar o bruxo Alexandrino a usar os vídeos de Buraka para as suas sessões de parapsicologia. O bamboleio kudurista que para ali vai esquenta finalmente quem queria dispensar o marasmo instalado pelos The Black Keys com um chuto na bunda e uma irreverência dançante – os BSS dão sempre grandes concertos e este, apesar de não ter atingido a folia selvática de há dois anos, foi vivaço quanto baste para obrigar vários presentes a adiarem o seu regresso a casa.
Falando em gigs de 2012, Caribou fez o processo inverso deBuraka. Se nessa edição Dan Snaith actuou ante uma plateia que já estava a escorrer baba pelos Radiohead, agora enfrentou um palco secundário que às três da manhã só queria ouvi-lo – nem que fosse pelo simples justificativa de continuar a emborcar cerveja madrugada adentro. Por mais álbuns que coleccione [“Our Love”, o próximo, chega em Outubro], o canadiano jamais deixa cair em saco roto aquela electrónica de pulso quente, de neo-psych borbulhante. Àquela hora, num cenário fervido pelas cores de um “Swim” sem óbito agendado, o Heineken resvalou para um qualquer buraco pluridimensional nesse cosmos ainda desconhecido. Só voltámos a ter a certeza de estarmos em Algés quando Caribou fechou a loja e levou consigo a sexta-feira.