Já não via Lobster desde 2008 (não, não os vi no Milhões de Festa; antes de me crucificarem, leiam até ao fim, “fáchabor”). Foram três anos sem ouvir nada destes dois rapazes, mesmo – e, nesta passagem pelo Porto, soube bem matar saudades. E aproveito a falha estar colmatada para assumir que tudo isto consistiu numa elaborada estratégia minha para não ver Ricardo Martins e Guilherme Canhão no furor máximo do seu glorioso comeback, em pleno festival barcelense. No Plano B, pude desfrutar da inteligência superior do meu plano b e refrescar a minha memoria no conforto de um concerto de regresso mais, bem, chamemos-lhe sossegado e, indubitavelmente, íntimo.
Ora, para meu mal, a minha memoria não se lembrava de que a natureza desta dupla dificilmente lhes permitiria tocar as canções de que me recordava como eu me recordava delas. Não soube dizer se era tudo músicas novas, ou se, até certo ponto, eles deram a volta a tudo. Felizmente, Keep It Brutal, bem a meio da actuação, separou as águas entre o que era o clássico dos Lobster e o que era semi-novo/inédito e reavivou-me tudo o que estava difuso na minha cabeça, despertando as ideias para o essencial: estes dois continuam brutais. Não, minto: estão melhor do que brutais!
Os Lobster de que me lembro eram técnicos, eram incansáveis, mas eram jovens. Agora, o cabelo de microfone do baterista Ricardo Martins está maior e barba de Guilherme Canhão já não é rasa. Estes dois rapazes fizeram-se homens, olharam para o noise nos olhos e disseram-lhe que, simplesmente, não estava a dar. Ou o noise se fazia homem com eles e crescia, ou a banda tinha de parar. Neste hiato, as canções dos Lobster ganharam um fascínio que não se fica pela complexidade do veloz e do super-veloz e deu espaço para que as melodias lentas fizessem o contratempo das baterias supersónicas e deixassem as distorções de lado, de vez em quando, para dar lugar a momentos mais espaciais ou simplesmente belos.
Os Lobster estão de volta e não se ficam por ser os mesmos de sempre: vão continuar a ser brutais, mas vão ser ainda mais incríveis, progressivos e ricos. Antes eram dois tipos a tocar bem demais, agora são uma banda que muita gente não conseguia emular.
As Nisennenmondai, que andaram a passear-se discretamente pelo público durante a actuação da dupla lisboeta, subiram ao palco do Plano B volvidos dez minutos do final da actuação dos Lobster que, em contraste, tocaram no chão. Calmamente, o trio japonês foi clarificando o porquê do seu nome ser a versão japonesa do famoso vírus Y2K: de binário em binário, usando as simplicidades dos 0 e 1, as nipónicas foram instalando o seu som entre os membros da audiência, que iam mostrando a entropia de uma boa firewall contra a estranheza.
É que o som destas três raparigas não é de fácil digestão. Quem vai ver uma banda com um baixo, uma bateria e uma guitarra (no início um sintetizador), espera rock, ou algo que não fuja disso. Há uma vontade orgânica na apreciação de um concerto com estes três instrumentos no centro que as Nisennenmondai usurparam de forma vistosa e virtuosa, retirando das suas melodias de guitarra, um instrumento expressivo por natureza, qualquer elemento da presença humana, automatizando cada som de cordas quase ao extremo do 8bit. Cada música era criada com camadas de loops assassinos, psicadélicos, que iam destruindo as defesas do cérebro dos seres vivos presentes, dando espaço à exploração menos matemática da guitarra e do baixo, calculista na sua entrada nas músicas, mais vivos dentro do contexto robótico da música.
Se a isso acrescentarmos a forma anti-climax das baterias, nada simples – em oposição às seccções melódicas –, mas contornando o êxtase com a insistência nos pratos de choque, temos um género de música industrial que não actua no corpo, não provoca movimento, mas que afecta, de forma séria, o funcionamento dos nossos cérebros. A música das japonesas, ainda que cheia de ritmo, não tem a facilidade imediata de puxar (imediatamente) para a dança, roçando, por vezes, os momentos “calmos” de Kraftwerk.
No final, quando os sentidos começaram a falhar, facto para que nos alertaram as três belas presenças, voltadas umas para as outras em palco, com um momento mais próximo de um free jazz, não foi preciso resistirmos mais: o vírus do milénio existe, demora a actuar nos nossos corpos, começa por afectar o nosso córtex e liberta-nos das metafísicas desnecessárias da filosofia inerente ao ser humano. Dançar a última música foi um reflexo naturalmente sentido em toda a audiênca do Plano B e as Nisennenmondailevaram os nossos sentidos com elas para Tóquio. Comunicação simples: estímulo – música com ritmo; resposta – dançar. Isto, em código binário, é muito mais complexo. As nipónicas podem corroborá-lo e isso explica porquê que é preciso um concerto inteiro para ficarmos com as pernas bambas.
Foi uma despedida de 2011 a corroborar o iminente fim do mundo em 2012. Esperemos que seja só depois do Milhões de Festa e do Amplifest, os meninos de ouro das duas promotoras que nos proporcionaram esta viagem pelos nossos circuitos, a Lovers & Lollypops e a Amplificasom.