Facilmente se comete um equívoco numa análise a Neurosis: examiná-los somente enquanto banda. Não que não o sejam – essa é obviamente a estrutura elementar, mas não o seu limite. Quem já leu e/ou viu entrevistas aos seus membros (nós temos uma com o Scott Kelly), encontra um fio condutor comum. Para eles, Neurosis traduz-se num compromisso para toda a vida. Uma entidade que lhes pertence, mas em simultâneo lhes é exterior, e à qual tributam a sua alma.

Um organismo evolutivo. Um organismo com princípio, meio e fim. No início, feito de rudimentares alicerces punk/crust, que logo evoluíram para um dos mais brilhantes e arrasadores edifícios da música extrema. Through Silver In Blood fundiu uma demoníaca atmosfera a um selvático ritmo tribal, por onde se desenlaçaram excruciantes riffs e uma ímpar descarga emocional. Convencionou-se apelidar tudo isto de post-metal. O conceito é discutível. A enorme importância de Neurosis, desde então, não. Dezenas e dezenas de bandas seguiram as pisadas dos homens de Oakland, enquanto estes, como sempre, continuaram a percorrer o seu singular caminho sem se importar com quem atrás os segue. OsNeurosis adaptam-se e evolvem, consoante o calendário avança. Ao longo dos últimos discos, a atmosfera e a melodia foram conquistando terreno à voracidade e ao peso. O folk tornou-se uma componente maior e o sludge foi-se desvanecendo. A busca pelo auto-conhecimento prossegue e o título deste novo disco, o décimo, é indicador do resultado. A honra descoberta na decadência.

Nele, encontramos uns Neurosis novamente invulgares. A capacidade de se reformularem a cada álbum permanece e, emHonor Found In Decay, temos os norte-americanos a concederem um destaque central às ambiências e a deixarem a majestosidade imperial do riff para um plano menos crucial. Não é que ele não ressoe e continue com um papel cimeiro, mas Noah Landis, responsável pela corpulência atmosférica, merece o grande destaque pelas texturas de uma All Is Found… In Time ou Raise The Dawn. Além disso, como tem invariavelmente ocorrido desde A Sun That Never Sets, as guitarras já não se transcrevem na brutalidade de uma Purify ou de uma The Web, mas sim numa melodia e numa dissonância onde Von Till é comandante – ouça-se o bridge de My Heart For Deliverance, onde os Neurosisassumem uma beatitude e uma paz sem paralelo na sua carreira, com um ecoante piano a preceder um final digno de homenagearEffigy dos Creedence Clearwater Revival.

Contudo, neste disco temos os Neurosis atmosfericamente mais densos e negros desde uma A Season In The Sky. Bleeding The Pigs, por exemplo, actua como uma convulsão interna, lenta e sombria, onde o berimbau nos recorda um Daniel Higgs e onde a bateria nos faz pensar num Nick Mason em sombrias vestes no Anfiteatro de Pompeia, sublinhando a diferença que norteia este registo. Provavelmente, a única faixa na “tradição” dos Neurosis pós-1999 seja At The Well, com um apogeu ao estilo de Stones From The Sky – todo o restante trabalho desprende-se numa mansidão rítmica, complementada, lá está, por um Noah Landis que se deu ao trabalho de gravar, até, o som da passagem de comboios de mercadorias durante a noite.

Honor Found In Decay obtém inequivocamente a vitória pelo facto, de quando colocado em perspectiva, ser distinto de todos os outros discos do grupo. Mais uma vez, os Neurosis não se repetem, nem voltam a passar pelo mesmo local duas vezes. Poder-se-á não gostar do caminho que tomam. Inegável é que, seja qual ele for, percorrê-lo-ão sempre com mestria.