É sequer legítimo pedir a Quentin Tarantino que volte a atingir o indecente nível (de tão bom que é) composto por Reservoir Dogs Pulp Fiction? Não, provavelmente. Todas as obras artísticas são consequências de um tempo e espaço concretos; querer reavivá-los e transpô-los para o “agora” não tem por hábito um agradável resultado e não por raras vezes se assiste ao assassinar de um passado intocável.

Este prelúdio faz sentido perante Abandon All Life. Os primeiros anos dos Nails foram alimentados pelos mesmos predicados que marcaram o início da carreira do realizador norte-americano: um descomprometimento total com o estabelecido, uma irreverência latente, violenta e pronta a cuspir na cara daqueles que se sentaram e aguardaram por algo reconfortante. Aquando do sujíssimo Obscene Humanity (2009), os Nails soaram tão crus e indispostos quanto possível, não esperando qualquer retorno – prova disso a aporcalhada produção desse registo, onde guitarra e baixo ecoaram amadoramente no seu próprio low-tune. Doze meses mais tarde, Unsilent Death atestou o então trio como uma das bandas mais “in your face” dos anos recentes, polvorizando a (muita) concorrência através de um som que nunca negou a reverência a Entombed, mas que soube equilibrar de brilhante forma os polos hardcore e metal através de um híbrido carregadinho de grooves “neck-breaking”. Não tardou até os Nailsrodopiarem de boca em boca e atingirem um estatuto que encheuAbandon All Life de expecativa.

E ela faz uma diferença enorme. O jogo de expectativas criado entre público e banda foi, até este disco, algo desconhecido por parte dos norte-americanos. Enquanto os seus primeiros trabalhos respiram uma fluidez admirável, fruto de uma postura “que se lixe”, os Nails partiram para este álbum sabendo que repetir o comboSouthern LordKurt Ballou, depois de um enorme Unsilent Death, lhes traria uma atenção redobrada. Há consequências: emAbandon All Life, os Nails mostram definitivamente uma preocupação maior com a composição e com os detalhes. Se isto lhes dá uma potência sonora até agora sem precedentes na sua carreira, retira-lhes a tal fluidez – não que isto seja necessariamente mau, pois haverá quem prefira a abrasividade do metal à simplicidade do punk. E se anteriormente, como dito acima, a banda sabia equilibrar a balança, neste álbum há claramente algo que a faz tender para o lado metálico – ouça-se o final da faixa-título e comparemo-lo com as antigas Suffering Soul e Scum Will Rise.

Mais do que uma confirmação do que de óptimo foi feito emUnsilent Death, Abandon All Life é , isso sim, um registo que atesta a vontade dos Nails em explorar os seus próprios limites no que ao peso diz respeito – a chamada de um segundo guitarrista não é de todo inocente. E sabendo nós que Kurt Ballou está longe de ser um produtor (ele intitula-se engenheiro de som) que se imiscui nas opções de songwriting de quem passa pelo GodCity Studios, é mais do que natural que a produção deste segundo álbum dosNails tenha sido opção da própria banda: a voz de Todd Jonestrabalhada em estúdio ou a relevância dada ao pedal duplo são escolhas de quem quer testar até onde a sua própria crispação sonora pode ir.

Não espanta, portanto, ver os Nails já nas capas de revistas como a Terrorizer. Mesmo que este registo mantenha uma curta duração – dezassete minutos, apenas mais dois do que o anterior -, os norte-americanos parecem ter aqui as bases para entrar em definitivo num espectro onde se dedicam a trabalhar ainda mais as composições, diminuindo a importância de correntes como o powerviolence, que tão bem marcaram Obscene Humanity. Estão diferentes, sem que essa mudança implique obrigatoriamente um enfraquecimento – hey, e não poderemos dizer isto também deInglourious Basterds ou Django Unchained?