Não há muitas bandas no rock que continuem com as garras afiadas passados tantos anos. Normalmente vão subtilmente retocando o material que já puseram cá fora, fazendo-o passar por novidade, ou simplesmente, vão-se repetindo ciclicamente até à exaustão. Exemplos não faltam. Desde a coisas que ainda andam por ai tipo Green Day e Offspring, passando por velhos veteranos como os AC/DC, chegando a bandas que já arrumaram as trouchas mas que passaram pelo mesmo problema. Assim de repente podia-se falar nos Ramones como exemplo. Estas bandas vão arrastando, arrastando, até que chegam a cair no ridículo, apenas salvas pela sua fama passada, ou por vezes, pela renovação da base de ouvintes que ainda não teve tempo de enjoar da repetição de registo para registo.

Os Mudhoney são um caso à parte deste cenário. A banda de Seattle sempre se pautou pela consistência. E isso nota-se bem entre o denominado género grunge, que ajudaram a fundar nos finais dos anos 80. Se umas bandas literalmente claudicaram musicalmente como os Stone Temple Pilots, Soundgarden ePearl Jam, ficando mais moles e sem pujança com o passar do tempo, sendo apenas salvas pelas hordes de críticos que pararam no tempo e lhes continuaram a prestar atenção em vez de passarem ao próximo nível (bandas como Fu Manchu, Kyuss, Monster Magnet, Boris, Polvo…pagaram as favas), osMudhoney aguentaram-se firme ao longo destes últimos 20 anos, mesmo sem ajuda dos cronistas e The Lucky Ones, a sua recente proposta e oitavo registo da carreira, está aí para comprovar essa consistência.

Depois de investidas mais experimentais na sua sonoridade com a infusão de saxofones nos seus últimos dois álbuns, Since We’ve Become Translucent e Under a Billion Suns, os Mudhoneyrevitalizam-se em The Lucky Ones, ressurgindo com o seu fuzz-rock em pleno, sem que isso soe a reciclagem. Não se pode negar que há um cheirinho de Superfuzz Bigmuff que se nota nas vozes viscerais e rasgadas de Mark Arm, tal como o fazia desalmadamente em Sweet Young Thing Ain´t Sweet No More, e também nas guitarras de Steve Turner que voltou a sujar os riffs com os pedais fuzz a todo o vapor. Mas isso não interfere com o carácter fresco das composições, não as fazendo, assim, soar a datadas. O nome escolhido para este registo de 2008, The Lucky Ones, pode muito bem ter surgido a partir dessa sensação de ter feito algo actual e poderoso, sem que para isso se tenha sido obrigado a mudar as referências sonoras de uma carreira, uma metáfora para afirmar que as coisas correram muito bem, e por isso somos uns sortudos do caraças.

Tudo funciona bem em The Lucky Ones. Não só na re-experimentação de uma maneira de escrever canções que já tem quase um quarto de século, isso é evidente particularmente na hardcoresca e potentíssima Tales Of Terror, como também na mistura das diversas influências reivindicadas pela banda, sem que se mostrem demasiado óbvias ou até apropriadas (que é o mesmo que dizer pilhadas). Por lá estão um panteão de influências coligidas que dão um sabor exótico a The Lucky Ones, entre umas mais óbvias e outras menos, lá estão vapores de Minutemen, The Wipers, Rites Of Spring, Stooges, Velvet Underground, Neil Young ou Flipper. É sabido que os Mudhoney nunca deixaram de estar de lingua apontada ás grandes questões que se impõe no quotidiano. Eles nunca quiseram fazer música sem conteúdo, sempre tiveram algo a dizer. A música sem uma mensagem vale pouco. Em The Lucky Ones a tradição mantem-se e com um discernimento direccionado, sem serem dessas bandas que são do contra por serem. Là estão críticas incisivas à religião na fabuloso letra de The Open Mind, “All the preachers are preaching lies, they promisse salvation then steal your life, the open mind is an empty mind, so i keep mine closed”, avisos subliminares sobre a ilusão do capitalismo em And The Shimmering Light, “and the shimmering light is just too much, that´s when you know you´ve had enough, everything is made of glass, one false move and it will crack”, e apelos à rebelião organizada em We Are Risin, muito ao estilo das bandas políticas espanholas como Sin Dios ou Puagh, “Building up against the dam, like the rivers we are rising, it´s high time we make our stand, there´s you and me and us and them, gonna break it up and build it up again, lets burn it down and write a whole new end”. Letras que, de resto, reflectem a componente musical rasgada.

Querem o fuzz-punk-rock sincero e descomprometido? Pois podem encontrá-lo em The Lucky Ones, com a adição de não terem de levar com as pós-modernices das bandas novas que não sabem construir canções e empilham tudo num monte disforme (está na moda). Aqui há coração, adrenalina, chapadas bem dadas e honestidade. Aqui existe Mudhoney em pleno, consistentes, ao nível do que já tinham feito. Anti-dinossauros!!!