Quando nos chega um álbum de Mogwai às mãos temos sempre a obrigação de esperar nada mais nada menos que o melhor. Porque eles continuam a ser do melhor que o post-rock tem – e se ainda não virei costas ao género e me dediquei a pescar bandas de chillwave é, em muito, graças aos escoceses.

Deste Hardcore Will Never Die, But You Will posso adiantar imediatamente que algumas coisas estão intactas: a ironia de fazer música instrumental mantém-se intacta no que aos títulos diz respeito (obrigado pela novidade, André!), e que, apesar das constantes experiências, os Mogwai continuam a soar a Mogwai, o que é sempre reconfortante.

A faceta mais hardcore deste Hardcore é, provavelmente, os espectros musicais a que os escoceses se estendem e a forma como os relacionam e os cruzam – por vezes de forma quase absurda, mas nem por isso menos conseguida, como se pode ouvir no peso demolidor amaciado com a estrutura construtiva dos sintetizadores electrónicos de Rano Pano. Conseguindo ir de momentos de verdadeiramente lisonjeiros e belos, muito graças à cada vez mais proeminente faceta electrónica (já lá vamos, tenham calma), a longas e agoniantes viagens dotadas da fealdade única das distorções mais pesadas – que o diga a grande segunda metade de You’re Lionel Richie, faixa de desfecho do álbum, com a sua melodia tão típica do melhor pós-doom – os Mogwaiestão a mostrar que, nesta fase avançada da sua carreira, sabem bem como conciliar toda uma história de rock nos seus ombros.

Este novo álbum prova, essencialmente, que estes senhores são o verdadeiro hardcore e que existem para aguentar o peso da responsabilidade que é serem os Mogwai. Cada composição, mesmo os cada vez mais habituais devaneios electrónicos (faceta que menos aprecio nos seus últimos registos, mas que, bolas!, é eficaz), tem a capacidade de nos pregar um sorriso de reconhecimento na cara. Eu admito: os escoceses foram provavelmente a banda do pós-rock da velha escola dos anos 90 que melhor incorporou esta tendência evolutiva do género, de se virar para a electrónica mais ambiental. Ou, pelo menos, foram os únicos a enveredar por esse negro caminho sem me partir o coração.

Isto nota-se mais, em Hardcore Will Never Die, Bue You Will, na electrizante Mexican Grand Prix e na mais épica Death Rays. Apesar de Mexican Grand Prix ser, provavelmente, a pior música do álbum, não deixa de ser dotada da espécie de hipnotismo inaugurada por uns Joy Division; tem o feeling que os New Ordertransmitiriam caso o Ian Curtis continuasse vivo para ‘tragalhadançar’ as melodias de Peter Hook e companhia. É o resultado natural de se misturar as baterias mecânicas aos sintetizadores e à arte de fazer rock instrumental, e é algo que se nota ao longo de todo o álbum, mesmo na melodia da mais orgânica San Pedro – que se acaba por se revelar uma nova Batcat, em quase quatro minutos de rock de abanar a cabeça entusiasticamente.

Simplesmente, os Mogwai continuam a apresentar-se como bipolares, divertidos mas tristes, épicos mas depressivos, empolgantes mas desmotivantes. Continuam, no mesmo registo, a transmitir o sentimento de sexta-feira à tarde, em que nos apresentamos no topo da nossa actividade, ou no êxtase de George Squase Tatcher Death Party, e a sensação de estarmos a atravessar o domingo de tarde, em que ficar a ler de papo para o ar é a melhor alternativa, ou de estarmos em plena inércia dos acordes de piano tristes de Letters to the Metro.

É esta a principal sensação que atravessa Hardcore Will Never Die, But You Will: a de uma inquietude de sensações em perfeito equilíbrio mas que, apesar do desconcerto que é passar da tão típica destes senhores, tão calma e tão épica White Noise, para aMexican Grand Prix, reconforta com o avançar do processo para Rano Pano e Death Rays.

Os Mogwai podem já não estar talhados para fazer os novos álbuns do ano nem para marcar incrivelmente as novas gerações, mas também não pararam no Young Team, nem devem parar em Hardcore Will Never Die, But You Will, pela simples razão de que continuam a fazer o que melhor sabem: muita coisa. São bons na alegria que transmitem, na paisagens que pintam, na dureza com que agridem e na tristeza com que nos põem a desejar outonos e invernos. São multifacetados em cada álbum como ninguém foi – ao ponto de nos fazer adorar cada música.