Atrevo-me a dizer que este poderá ter sido o concerto do ano. Tão completo e repleto de intensidades que merece não menos do que o adjectivo “inesquecível”.

Os alentejanos Process of Guilt abriram as hostilidades. Infelizmente não abriram com o pé direito ao estarem a fazer som da forma mais minuciosa possível quando as portas abriram. Pelo menos metade de uma música ouvimos duas vezes em duas situações diferentes: durante esse aquecimento e durante o concerto. Pena o público não ter aproveitado essa sorte, talvez devido à diferença – praticamente nula, diga-se, não fosse o facto de eles se mexerem menos – entre o ‘sound check’ e o concerto.

O quarteto de Évora usou e abusou das distorções e ficou a perder com a decibelagem exagerada num espaço tão pequeno, mas não deixaram de dar um grande concerto, cheio de peso e de intensidade. Esta é daquelas bandas que vale a pena a viagem do confortável sofá de casa a um local em que tenha de se ficar uma desconfortável, mas curtida, meia hora de pé.

Depois de alguns minutos de pausa, Bruce Lamont, convidado especial desta tour de Minsk, conhecido por fazer parte dos Yakuza e pelas participações em álbuns de Kayo Dot, Battles, Dälek, Scott Kelly, Om e Akron Family (só para dar alguns exemplos, começou a pintar paisagens no escuro da sala. Através de loops e delays, às camadas, Bruce simulou didgeridoos, cantou, gritou, grunhiu e depois, claro, hipnotizou e tocou todos os presentes com o seu saxofone e com o seu clarinete. Proporcionou uns curtos vinte minutos de uma densidade imensa; é pena que tenha sido uma actuação tão curta, mas durante mais tempo podia tornar-se enfadonha para os mais incautos e para os menos pacientes. Os ambientes sónicos e exotéricos que, sozinho, criou perduraram até ao concerto de Minsk, que os absorveu completamente e os enegreceu.

Foi uma transição perfeita, ainda que nada pacífica, entre a curta actuação de Bruce Lamont e a dos Minsk. Em boa verdade, é quase criminoso fazer uma distinção entre ambas; foram uma só, com uma introdução fantástica. Menos verdade não será dizer que quando toda a banda se juntou em palco e se soltaram os primeiros acordes de guitarra, todas as paisagens antes pintadas se começaram a desmoronar. Os ambientes do quarteto norte-americano facilmente passavam do mais negro e pesado para o mais psicadélico; eles chegaram mesmo a estar mais de dez minutos seguidos a brincar com as pedaleiras enquanto o baterista segurava a música com as suas batidas tribais, proporcionando momentos tão densos quanto suficientemente intensos para levar todos os presentes.

Dos Minsk não veio senão uma surpresa: não se esperava menos deles, mas tanto foi incrível demais para se poder descrever com fidelidade. Um concerto onde tudo aconteceu, completo e absorvente. Quem esteve presente não vai esquecer.