Estivemos com Ace, Presto e Dj Serial no espaço do Musicbox, numa conversa descontraída e sem grandes pressas. Sítio onde, umas horas depois, os Mind da Gap brindaram os fãs que se deslocaram ao Cais do Sodré com um concerto especial. Concerto onde se cantaram os parabéns à banda que completa duas décadas de rimas e batidas, e é o que querem continuar a fazer, asseguraram-nos.  O ano passado deram uma luxada de ar fresco à música com o seu “Regresso ao Futuro”, disco de ambiente bemfresh e rimas que ilustram a vida e o quatidiano. Fruto da experiência do que é fazer rap há muito tempo, embora isto não os mova, nem por um segundo – querem apenas continuar.

Na perspectiva de quem está cá desde o inicio, como avaliam a evolução do rap em Portugal?

Ace: A diferença é abismal. Quando nós começámos não havia grande variedade de grupos, ou não havia nenhuma variedade de grupos. Hoje em dia o rap em Portugal creio que segue aquilo que se passa internacionalmente. Há rap com letras com mais significado, outras mais levezinhas, há letras pró’ club, para se ouvir de headphones, sei lá. Já há esse tipo de escolha, na nossa altura não existia. E é claro que quado nós começámos não havia os computadores que há hoje, o software que há hoje, essas coisas ajudaram a que a coisa evoluisse. E massificou-se, hoje em dia qualquer pessoa que tenha um computador diz que tem um estúdio. E faz música. Só por aí já abriu as portas a qualquer pessoa que tenha vontade de experimentar. Claro que nisso há coisas boas e coisas más. Há gajos que se lembraram de gravar um disco, têm valor e até têm umas ideias engraçadas e há outros que mais valia estarem quietos. Isso é como em tudo, no futebol, teatro, em tudo. Tens gajos que cozinham bem e outros que cozinham mal.

Qual foi a melhor época?

Ace: Foi entre a “Verdade” e os “Suspeitos do Costume”. Por aí, 2002, 2004. Foi a altura em que deixou de ser tão complicado, como era até então , penetrar no mercado dos concertos. Até aí era tudo muito esquesito. O pessoal não percebia bem o que a gente fazia, para muita gente era playback, não percebiam porque não tinhamos instrumentos…  Nessa altura, começou a haver uma abertura maior em termos de meios de comunicação e, falando pessoalmente, o “Suspeitos do Costume” teve singles muito fortes que fizeram cross over e isso também foi importante em termos de carreira. Tocarmos mais e termos mais visibilidade.
Serial: Eu não acho, para mim é esta época. Continuam a haver bons projectos, boa música a sair cá para fora. Secalhar tens é de procurar mais, estar mais atento ao que se passa…
Presto: Nós vivemos uma época em que o rap foi descoberto pelas editoras americanas. Andavam todos à procura de bandas, dos projectos mais esquisitos aos mais comercias. Queriam apanhá-los, queriam editá-los. Porque pressentiam que ía ser o next big thing. E foi, a cena aconteceu e aconteceu demais. No meu gosto pessoal estragou-se, hoje em dia é uma confusão. Não sei se é por ser mais velho, já não tenho paciência para estar à procura no meio de não sei quantos sites e blogs, milhentas bandas. É uma forma diferente de ouvir música que ainda não me consegui habituar muito bem.

“Somos muito importantes, estás-nos aqui a entrevistar porque fazemos vinte anos. Temos essa importância em abstracto. Na realidade, continuamos a ser os mesmo bardamerdas que eramos em 93.”

Entre “Sem Cerimónias” e “Regresso ao Futuro”, o que mudou mais? 

Presto: As diferenças acabam por mais em nós. Estamos não sei quantos anos mais velhos, temos uma visão diferente sobre uma serie de coisas. Chefes de família, contas para pagar…
Ace: Responsabilidades. O “Sem Cerimónias” não tem nada disso. São três putos que queriam fazer música como lhes apetece. Tipo, ‘tou me a cagar se alguém vai gostar se não vai, se vai ou não passar na rádio’. Não interessava, nem nos passa pela cabeça. Interessava é nós estarmos a curtir a fazer música que era o que gostavamos de fazer. O “Regresso ao Futuro” já não tem essa carga de entusiasmo e inocência, ingenuidade se quiserem. Entretanto já são vinte anos a levar porrada, e coisas boas também, essa bagagem resulta num disco como o “Regresso ao Futuro”. Não vamos fazer um disco a falar sobre as mocas que um gajo apanhava a fazer música, imagina. No “Sem Cerimónias” podiamos ter feito isso na boa, sem qualquer tipo de problema de consciências ou whatever. Hoje em dia não. Eu tenho quarenta anos, o Serial tem um filho de dezoito anos, percebes?

Quais os ingredientes utilizados na construcção do ambiente futurisa e fresh do último disco?

Serial: É uma questão de evolução. E também das coisas que me influênciam no tempo entre os discos. Nós somos influênciados por tudo o que nos rodeia e acaba por ser natural. As máquinas basicamente são as mesmas, comecei a trabalhar mais com sintetizadores mas nada de muito diferente.
Ace: A mistura também ajudou muito ao ambiente. E em relação a isso nós fizemos uma coisa: a partir de certa altura percebemos que tinhamos uma serie de músicas que encaixavam umas nas outras. Foi por essas que nós fomos, para ter uma cena coesa. Há um momento ao outro que sai da linha mas é propositado, por exemplo o “Este Beat”, sai um bocado fora da sonoridade do disco. Foi a última música que fizemos e foi a primeira a sair, tipo ‘a música tá fixe não tem nada a ver com o resto álbum vamos lançá-la já’. Vi há pouco um post no facebook duma entrevista nossa de noventa e tal, uma entrevista em inglês, memo chavalinhos a dar um concerto na costa da caparica. O gajo pergunta como era o nosso processo criativo e eu repondo com toda a naturalidade: ele faz beats, nós fazemos letras, depois a gente junta tudo e tass bem. E lembrei-me: ya, já foi assim que faziamos as coisas.
Serial: Também houve outra cena neste disco. Eu lembro-me de vos dizer ‘estas músicas têm de entrar.’ Eu fiz uma pré-selecção, nos outros disco não acontecia isso. Dava-lhes um montes de beats e eles escolhiam. Neste, escohi quais eram os beats que faziam um disco coeso. Dei-lhes e eles escreveram as letras para os beats.

De que forma a adopção de instrumentos mudou o conceito de concerto MDG?

Presto: De há dois anos para cá demos esse passo de incluirmos um baterista (André Hollanda), teclista (Sergio Freitas), o SlimCuts também, que não estão cá hoje. Era uma coisa estava para ser feita há muitos anos mas nós estavamos sempre de pé atrás. Porque achavamos que podiam não compreender a nossa música,e  que não a conseguissem interpretar como nós queriamos…
Ace: E estavamos muito agarrados ao boné, ainda. A nós metiamo-nos muita impressão ir a um concerto de rap e ver o guitarrista com o cabelo pelas costas e em todas as oportunidades que tinha fazia um sólo de heavy metal, porque no fundo era isso que ele gostava.
Presto: Mas começamos a sentir que presisavamos de fazer alguma coisa no concertos. Ainda fazemos muitos concertos com formação clássica e funcionam bem, mas achamos que deviamos começar a trabalhar com eles. O concerto ganha outra dimensão, dá-nos mais pica. E fez-nos ensaiar mais, estamos mais coesos em palco, estamos em boa forma.
Serial: E começamos a experimentar coisas novas, modificar músicas. Trazer músicas que já não tocávamos e dar-lhes uma roupagem nova e têm funcionado bem.
Ace: Em relação aos ensaios, nós sempre muito avessos porque as cenas mais interessantes ao vivo surgiam ao vivo. Se soava bem uma vez nós repetiamos na próxima e era assim que as coisas funcionavam. Um processo que demora muito mais tempo, agora fazemos isso mais cerebralmente. Continua a haver o improviso: nós ensaimos fins para as músicas com a banda e depois chegamos ao concerto e nunca fazemos igual, javardamos sempre tudo. Continua a haver isso mas agora temos mais confiança, temos mais noção do que podemos contar.

Já estiveram prestes a acabar?

Ace: De certeza que já passou pela cabeça de toda a gente aqui nesta mesa, sim. Algum momento que nos tenha gravado na memória, não. Pá, tendo em conta que os casamentos hoje em dia não duram mais que três, quatro anos. Nós estamos casados há vinte, somos gajos, nem temos o prazer de partilhar o corpo uns dos outros. São vinte anos de relações com pessoas com as quais vais crescendo mas cada um tem a sua vida. Não somos copias uns dos outros, aliás, em muitas coisas somos a antítese. E nesses momentos há atritos, é normal. Mas quando acontece, normalmente, voltamos sempre com mais pica.

Para vocês, qual é ‘O Som’ de MDG?

Serial: “Todos Gordos”. É uma música que na altura até tivemos uma batalha com a editora, a editora não achava que aquilo resulta-se como single. Nós batalhamos com eles, conseguimos ganhar e funcionou muito bem. Acho que foi o single que resultou melhor e não era uma música radiofónica.
Presto: ‘Era a música em que falavamos pró umbigo.’
Ace: Ya, a cena deles é que só falavamos de nós e dos nossos amigos, do pessoal do hip hop e o carago, que era uma música virada para dentro… A verdade é que as pessoas não viram isso a assim. Tornou-se um hino de hip hop que por trás apela a um sentimento de união. O video acaba por ser a imagem disso. Muita malta que nos é próxima aparece, os Dealema muito chavalos, o meu sobrinho, agora já mora com a mulher. E isso passou para fora, não como ‘ah, estas gajos do Porto são mesmo unidos’, não. Tipo, é a cena toda, o hip hop, o movimento, é assim que é.
Presto: E uma música que para a editora era para o úmbigo, acabou por ser o contrário.

O que é ter vinte anos de rap em Portugal?

Ace: É muitas coisas, acho que não é uma coisa só. É fixe, é um orgulho. Vinte anos já estamos a falar quase de coisas tipo xutos e pontapés, bandas que nós próprios ouvimos desde putos. O rap durante a nossa história nem sempre foi um estilo aceite como é hoje, é um grande motivo de orgulho chegarmos até aqui. Mas também acho que nenhum de nós parou muito tempo para pensar nisso, é andar para a frente. Por outro lado também é um peso por vezes dificl de carregar…
Serial: Mas é dificil por causa dos outros não é por causa de nós. Um gajo ser viciado em criar, fazer música neste caso: eu quero continuar a fazer isso durante muito mais tempo. Quando se puxa essa cena dos vinte anos eu fico tipo, pá, de nós eu devo ser aquele que diz ‘epá, tou me a cagar pra essa merda’. O que importa é pensar o que vamos fazer a seguir.
Ace: Nós viemos aqui festejar mais para as pessoas curtirem  um concerto, e que um dia se possam talvez lembrar. Mas também há a cena que falava do fardo: é muito fixe nós termos vinte anos mas também é uma vergonha estarmos num país que está na situação em que está. Em que nós nem sequer podemos correr o risco de festejar os nossos vinte anos da maneira que gostavamos: alugar uma sala, o hard club, vamos ser sonhadores, o coliseu, e convidarmos toda a gente que participou nos nossos álbuns e fazer um grande concerto. Não podes fazer isso. Vais alugar o coliseu, perdes dinheiro. As pessoas não têm dinheiro para ir a concertos. Amanha há o concerto de Dealema, eu sei que há muita gente que tá num dilema, não é? Vai hoje ou vai amanha, ambas as bandas vão sofrer com isso. Temos vinte anos, trabalhamos muito, só não damos concertos todos os dias porque não temos oportunidade. Somos muito importantes, estas-me aqui a entrevistar porque fazemos vinte anos. Temos essa importância em abstracto. Na realidade, continuamos a ser os mesmo bardamerdas que eramos em 93. Temos que esperar que alguém nos convide para festejarmos vinte anos de carreira, tás a ver? Tipo, fazes anos mas tens que esperar que um amigo teu te convide para jantar, porque tu não tens condições. É o tal peso dos vinte anos que me põe a pensar, vinte anos pra quê? “Nothing Was The Same…”