No segundo dia de festival assistiu-se a uma espécie de yoga no campismo – SuNa Mantra. No fim de contas ninguém percebeu muito bem o que se passou. Primeiro parecia que estava a acontecer um soundcheck e depois ficou apenas um rádio a passar musica mantra. Mais um dia de calor na Piscina, mais um dia que tendia a não corresponder – foram poucos os momentos em que a temperatura passou do morno.

Começando por Filho da Mãe que se fez acompanhar por Ricardo Martins na bateria – este demonstrou os seus dotes de volta de uma guitarra clássica e pode até ter impressionado alguns, mas no geral ficou a sensação de que aquela não era a melhor maneira de começar o dia. De dois elementos, passamos para quatro com os Big Naturals – aumentam os elementos, aumenta o peso do som – guitarradas fortes que vão do stoner ao kraut, com uns toques de punk. Acrescentamos mais um elemento em palco com os We Are Match e é então que percebemos que o palco da piscina não é feito para bandas tão numerosas. A banda francesa teve um concerto cheio de problemas, foram aliás, mais os problemas que o concerto em si. O seu indie rock poucos chamou e ficou a sensação de que, no final de contas, não se perdeu grande coisa. Tudo volta ao normal quando voltamos a um numero reduzido de pessoas em palco – Adrian Sherwood. Acompanhado de parte do seu estúdio – a sua mesa de mistura, com a qual até deve dormir. Apresenta malhas de dub, reggae e jungle e no seu set acrescenta-lhe reverb e ritmo. Deu para aquecer o coração com uns movimentos mais relaxados, ficando a ânsia de mais. Contudo, qualquer conhecedor do seu trabalho sabia que nunca ia passar muito daquilo.

As tardes na piscina e no Taina são diferentes – ninguém diria que são o mesmo festival. Na piscina ouve-se electrónica, sacodem-se ancas, dá-se mergulhos e há bolas insufláveis pretas que parecem pulgas a saltar na água. No Taina há sombras e relva, um pequeno tapete vermelho para evitar que a poeira cubra os olhos e rock. Que bem que sabiam as sombras do Taina debaixo daquele tórrido sol minhoto… E que bem que sabiam os rojões, ou os hamburguers de lentilhas, e uma cerveja para empurrar.

O palco arrancou com produto nacional. Marvel Lima, o quinteto de Beja, fez-nos ferver com um rock viajante, oscilante, bem-humorado e refrescante, ideal para aquele fim-de-tarde de calor sufocante. Lentamente, fomos transportados de espaços mais psicadélicos, de olhos fechados e cabeças meneantes, a cenários mais concretos de pura folia. Depois, e a avaliar pela quantidade de cabelos molhados, houve muita gente a trocar as toalhas à beira da piscina pelos “Maus Lençóis” dos Quelle Dead Gazelle. É bom ver e ouvir que se produz tão boa música em território português. Talvez a forma mais “fácil” de descrever a dupla lisboeta seja enfiá-la na caixinha do post-rock, conscientes do tamanho dessa caixinha. Ouvindo o recém-lançado LP “Maus Lençóis”, é música agradável e tecnicamente irrepreensível. Ouvindo as mesmas músicas ao vivo e a cores, é assombroso o virtuosismo dos dois rapazes que fizeram transbordar o pequenino palco do Taina.

No jornal que circulava pelas mãos dos festivaleiros, Milhões de Notas, com entrevistas a músicos e artigos de análise a alguns dos grupos que encheram os quatro palcos do festival, lia-se que os Riding Pânico não faltaram a uma única edição do Milhões. Como se não fosse suficiente, coube-lhes a curadoria do palco em tocaram. Em termos de música, podemos chamar-lhes“post-whatever”. O que mais os distinguirá dos demais será o sabor a épico. Se com os Quelle Dead Gazelle viajamos ao íntimo, com os Riding Pânico viajamos a cenários espectaculares e majestosos. Um quinto deles é Marvel Lima, outro quinto é Quelle Dead Gazelle – os Riding Pânico fundem histórias. No fim de contas, foi uma tarde bem passada entre amigos, em cima e em baixo do palco.

O pôr do sol visto do Palco Milhões era algo delicioso, não que se conseguisse ver o sol a cair sobre o horizonte, mas sim todo o espectro de cores que o lusco-fusco criava em torno da vista para Barcelinhos, o cenário perfeito para o ritmo abstracto dos Sun Araw. Contudo, estes tiveram bastantes problemas em arrancar, mas quando voltaram ao palco, cerca de meia hora depois da hora prevista para o começo do concerto, a coisa lá pegou. Com o seu experimental psicadélico, criaram uma aura introspectiva e quase de meditação – nada melhor para começar a noite.

Com um ritmo mais definido entra a dupla Domenique Dumont. Fica a sensação que teriam encaixado perfeitamente na piscina, mas não foi por isso que soube pior no início de noite, principalmente servidos depois de Sun Araw. Batidas e melodias calmas e reconfortantes, aliadas a uma doce voz feminina, deixam uma sensação geral de relaxamento. Depois de tanta calma, com Domenique Dumont, a expectativa para The Heads era que se abanassem cabelos e braços, bem à anos 90, mas os britânicos foram provocadores. O arranque para o concerto foi abusivamente longo, quiçá em jeito de preliminar para deixar a malta quente, mas os ânimos foram baixando. Quatro homens, já bem passados da Primavera da vida, trazem dentro de si os jovens que eram quando os The Heads foram fundados em 1990. Hoje o psy-rock quer-se mais rápido do que o que eles tocam. Levam o tempo que for necessário a chegar aos clímaxes que pretendem, sem pressas, mas sem paninhos quentes. Os interlúdios e bridges excessivamente longos acabavam por se tornar monótonos para quem está habituado a velocidade em crescendo, mas não se deixavam incomodar pelas flutuações de humor da plateia. Eles iam numa viagem muito própria, muito introspectiva, e todos nós em frente ao Palco Milhões limitámo-nos a apanhar uma boleia. As distorções que roçam o lo-fi e a postura dos quatro britânicos em palco deixariam os Black Sabbath orgulhosos. Há momentos em que se torna difícil o absoluto envolvimento na música destes veteranos, mas nem por isso as costas deixaram de se endireitar para um fim de concerto em grande. Nova troca de palco, novas vibrações – mas que se mantêm britânicas a valer.

Gaika, que vimos na noite anterior em palco com Miss Red e The Bug, entra em palco acelerado, aos saltos, a destilar energia, e grita “I wanna see everybody moving!”. Depois do que tínhamos visto quando ele cantou a “Buta” com o dub diabólico do The Bug, toda a gente na plateia já mordia os lábios à espera de algo que andasse entre o dub e o trap, mas não. O que Gaika canta é, certamente, diferente do que todos esperávamos. Sim, com dub; sim, com trap; sim, com hip hop britânico bem clássico. Mas não era só isso. Era mais agónico, mais dramático. Ainda assim, talvez a música dele resulte muito melhor em Brixton do que resultou em Barcelos. Entretanto chega a hora de fazer a festa com os Bixiga 70. Mistura-se música brasileira, afrobeat, funk, jazz e mete-se tudo a fritar e o resultado é dança, encontrões, moche e até crowdsuf. Mesmo que por vezes o som se tornasse repetitivo o público nunca abrandou. Um dos elementos da banda diz “só um ultimo recado”, representando mais uma dose desta mistura frita. E quando se achava que era mesmo o ultimo recado, estes voltam e a festa toma proporções inigualáveis.

Islam Chipsy era a promessa por cumprir da edição de 2015 do Milhões. Depois de acontecimentos totalmente alheios à Lovers, o Islam Chipsy não pode estar em Barcelos para se apresentar com a sua música de festa egípcia. Por isso, quem já é da casa, estava com curiosidade redobrada para ver este concerto do egípcio, acompanhado pelos seus dois percursionistas. Num bom casamento tuga, ouve-se o tradicional pimba, a clássica brasileirada, toda a gente dança (e bebe, e come), e a conversa fica mais ou menos por aí. Mas os casamentos no Cairo não podem ser bem assim. Numa ponte entre as sonoridades familiares do Próximo Oriente com os BPMs que se querem na música electrónica de hoje, o teclado de Islam, uma darbuka e um bombo que não davam trégua, criaram uma festa que parecia interminável. Por um lado, porque já doíam os pés, as costas e as ancas, mas o público estava insaciável. Por outro, porque havia em momentos em que a música quase induzia em transe, de tão repetitiva que se tornava – mas nem por isso menos divertida.

A fechar a noite estiveram os portugueses Discos Extendes, a apresentar o catálogo da sua editora Extended Records e não só. Um trio descontraído e energético – Lieben, Smuggla e Terzi, passam sons de nomes como Sabre, EMAUZ, Mike Dunn, D. R. Sax, Dj Shperma, entre outros. Passagens suaves e equilibradas que deixam cada elemento da audiência a demonstrar os seus melhores moves. Já na recta final do set a música “Acenda o farol”, de Tim Maia, deixa toda a gente com um sorriso bem esboçado na cara. Resumidamente, demonstram como esta editora cresceu e já é algo com uns alicerces tão fundos que agora é só continuar a construir em cima deles.