A habitual letargia de uma tarde na piscina era no segundo dia ameaçada por negras nuvens. Não de chuva, essas estavam guardadas para o dia seguinte, mas de ódio e grind à moda daBesta.
Antes disso, o dia até começara solarengo com os Surya Exp Duo e o seu ambiente psicadélico a contribuir para que não desse vontade de fazer mais nada que não esticar o corpo ao sol com ocasionais incursões à água. No fundo, como concerto acabou por ser algo a não deixar grandes memórias, servindo apenas de catalisador para a estadia na piscina – ficou bem à hora que foi mas também não foi nada que não tivesse sido conseguido com simples música ambiente de fundo. [LP]
Entretanto, o palco Taina era invadido pelo rock abrasivo dos 10000 Russos (Pedro Pestana e João Pimenta). Apesar da suave e encantadora paisagem, o cenário transforma-se com a música da dupla. Joca e Pedro, respectivamente na bateria e guitarra, decoram o ambiente com silvos e feedbacks, que emanam constantemente dos seus instrumentos. O seu rock é cru e exploratório. Possivelmente herda a primeira característica da enorme experiência de João Pimenta e a segunda da sensibilidade cénica e cinematográfica de Pedro, que já em projetos anteriores recria com a sua guitarra ambientes claustrofóbicos, com tensões e cadências que serviriam perfeitamente um qualquer filme psicadélico. Os tons e feedbacks áridos do seu rock rapidamente convulsionam a nossa mente, numa experiência dura mas valorosa. [CT]
Regressando à piscina, o primeiro destaque foram mesmo os Cuzo, banda espanhola de stoner/space rock. A repetir passagem pelo nosso país após marcarem presença na primeira edição do Amplifest, foram motivo suficiente para que largas dezenas de pessoas se juntassem à volta do palco e não dessem grande resistência de pescoço, sobretudo pelo incansável cavalgar cheio de groove que o baixo de Fermin Manchado ia oferecendo. Tendo sido um bom concerto, a fórmula do trio resulta sobretudo quando Jaime Pantaleón se agarra aos teclados em vez da guitarra: nesta última não raramente dá a sensação de que fica aquém do desejável, tanto quando é necessário injectar mais intensidade na música como quando o que se pede é uma boa dose de psicadelismo. Não fossem estas limitações e poderia ser banda para outros voos, assim como estão servem perfeitamente para a piscina.
Era então chegada a hora de ver Besta fazer à piscina o que osRevengeance, pese as diferenças de abordagem das duas bandas, haviam feito o ano passado – leia-se, “pôr tudo à porrada”. Dito e feito, com o novo vocalista Sérgio Batista a mostrar-se perfeitamente integrado no processo de demolição ao vivo pelo qual a banda é conhecida. O estilo mais confrontacional do seu antecessor Pedro Roque é substituído por uma aparente absorção completa naquilo que está a fazer – há que dizer que a imagem do Mr. Lego (como é creditado na página da banda) de olhos revirados no final das músicas é completamente apropriada para a tareia sonora incessantemente providenciada por Rick Chain, Lafayette e Gaza. A reacção do público, essa, foi o que se esperava, com um mosh pit de gente descalça e meio despida a gerar-se ao fim de um par de músicas (que é como quem diz um ou dois minutos).
Igualmente positiva foi a reacção aos The Quartet of Woah que entretanto actuavam num palco Taina bastante bem composto. Infelizmente, o fraco som do palco aliado ao excesso de vento que se fazia sentir prejudicaram consideravelmente o concerto, tornando por exemplo quase impossível escutar teclados na maioria dos locais, despindo assim os contagiantes temas deUltrabomb de um dos seus mais importantes elementos. O saldo só é positivo porque o rock com pendor para anos 70 que a banda pratica e a atitude com que o faz em palco são bons o suficiente para aguentar os percalços. [LP]
O dia de piscina termina com um tremendo exercício de diversão. O colectivo Monster Jinx apresenta desta vez um trio, constituído por Supa, J-K, e DJ Slimcutz. Um primeiro destaque para Jorge Simões ou J-K, um promissor rapper português e talentoso MC, sempre com rimas acutilantes e humor apurado. A diversão é garantida em qualquer concerto dos Monster Jinx, qualquer que seja a formação presente. Por entre samurais, e ninjas, houve ainda espaço para Dj Slimcutz e Supa, nos brindarem com um set de clássicos do hip-hop, levando o público ao delírio e não deixando ninguém indiferente à dança. Monster Jinx é festa e oMilhões também, combinação perfeita para um final de tarde na piscina. [CT]
A ideia de abrir o palco Milhões com um concerto dos HHY & the Macumbas podia parecer boa em papel – a banda do Porto tem precisamente o tipo de sonoridade envolvente que se suporia resultar bem nos últimos momentos de luz natural. Infelizmente, não foi uma participação com o sucesso que se antevia. Em primeiro lugar porque o som não contribuiu – o dub de Jonathan Saldanha aparecia demasiado abafado pelas percussões – e em segundo porque o espectáculo de luz e fumo que a banda montou em palco simplesmente não resultava àquela hora, sendo muito mais apropriado para um final de noite ou espaço interior. Sabemos que no Milhões as noites têm tendência para acabar com sonoridades mais festivas, mas questionamo-nos até que ponto não teria sido esta a continuação ideal para o concerto de EyeHateGod, tratando as feridas abertas por Mike Williams e cª com ritualismo em vez de energia dançável.
Quem curiosamente beneficiou da atípica luz natural que marcava presença no início da sua actuação foram os Process of Guilt. Fora do seu habitat natural que é o espaço fechado, chegámos a temer, durante os primeiros acordes de Empire que esta mudança lhes fosse prejudicial, ainda por cima iluminados directamente pelos holofotes de palco. Quão enganados estávamos! Chegávamos a Blindfold totalmente rendidos, já com a banda envolta em fumo, transformada em silhuetas também pela alteração de luzes, por esta altura por trás da mesma. Em termos de som, apenas a guitarra de Hugo Santos podia ter estado um pouco mais alta, já que fora isso se registava um forte equilíbrio e a pujança apropriada (o baixo de Custódio Rato estava incrível) para fazer justiça ao que se ouve em estúdio, algo que não tivéramos a sorte de encontrar por exemplo em Ufomammut.
No final, enquanto nos atiravam com a Fæmin propriamente dita para cima com a força do costume, o fumo dissipava-se, as luzes voltavam à configuração inicial e fechava-se o círculo, com os vultos a darem lugar aos homens que haviam iniciado a experiência. É absolutamente notável que concerto após concerto com o alinhamento a ser única e exclusivamente composto pelo último álbum, este continue a soar tão fresco, como se o tivéssemos a escutar pela primeira vez. Para a história fica a visão assombrosa de um palco quase completamente negro e cheio de fumo, envolto por um céu cinzento-escuro e de onde saía algum do melhor doom metal escrito nos últimos anos, esteja-se a falar de Portugal ou de qualquer outro país.
Quem não deve ter achado piada nenhuma à brincadeira da banda eborense devem ter sido os Loosers, cujo rock experimental não teve grande hipótese de brilhar depois do que havia acontecido imediatamente antes. Noutra altura do dia, com melhores condições de som e num palco cujo tamanho fosse mais apropriado a um entregar completo dos sentidos à música dos lisboetas, a coisa teria todas as possibilidades para funcionar, assim acabou por ser uma desilusão – até porque era concerto que gerava alguma espectativa. [LP]
O concerto de Dam Mantle no palco Vice é uma experiência sensorial subtil mas que vai desabrochando lentamente a jovialidade e apelo hedonista do Verão. A sua electrónica é uma experiência que cativa suspiros, profundos mas ternos. A trilha sonora é refrescante, eclética, os beats quentes com numa espiral de sensibilidade que parece ter pedaços de influência jazzística levemente infundidos. O bom gosto da melodia agita de maneira ligeira os corpos, numa música que não deixa de ser largamente reflexiva, com reinos hipnóticos retratados em ambientes sombrios. O seu set é um exemplo de instinto, inteligência e elegância. As várias camadas da sua música exploram frequências dubstep, embutidas algures em puzzles onde marcam presença sutis toques de ambiente, techno ou industrial em reminiscentes composições egocêntricas e meditativas, de extraordinária sensibilidade melódica e criativa. Um variado teste aos sentidos que abriria o apetite para o regresso ao palco Vodafone, onde tocavam os Egyptian Hip-Hop. O quarteto de Manchester veio apresentar, sobretudo, Good Don’t Sleep, álbum de finais de 2012. A música é pouco mais do que amigável. Dominada pela linha de baixo e de base electrónica, o seu synth pop não entusiasma. Apesar dos arranjos serem, no geral, bem arrumados, a voz assume sempre um tom desinteressado em relação à melodia, o que não ajuda à aceitação. Não é uma banda aventureira, a batida é no geral aborrecida e sem grande inspiração e os gemidos em reverb do vocalista são sonolentos e não servem para nos salvar da decepção. As ambiências de sensualidade urbana com texturas nebulosas são momentos de fraco brilho e intensidade. A melodia é pouco mais do que superficial e insípida, onde os ruídos chorosos desconexos deslizam por entre o instrumental e ficam pouco almofadados. O concerto é marcado por um padrão, faixas dificilmente distinguíveis. Apesar de alguns momentos agradáveis, este não consegue despertar o nosso interesse e acabamos com irreversíveis suspiros de quem aguarda por melhores momentos no que ainda falta da noite.
Felizmente teríamos os Za!, para combater a monotonia, num concerto exuberante. Chegados ao palco Vice, um foco de luz acompanhava um dos elementos de banda que descia por uma rampa lateral ao palco, acompanhado de um trompete, e se misturava alegremente com o público antes de subir a palco. A bizarria é imagem de marca dos catalães Za! – Papa Dupau e Spazzafrica DHE – e dos inúmeros instrumentos que levam a palco (bateria, guitarra, trompete, teclado, sampler), num poderoso exercício que pesca no mar do rock, free jazz, tropicalismo e até kraut. O set é uma explosão de ritmo, onde todo o caos faz sentido. A demência dos dois elementos, matizada numa fogosa atitude, desenvolve impulsos desordenados na plateia que fica em sobressalto com a dinâmica do duo. A sonoridade sempre complexa e diversificada força uma variedade de ritmos, ora fogosos, ora calmos. Há prismas electrónicos misturados, inspirados algures na estética minimalista que terminam com poderosas avalanches de bateria, arrítmicas, duras e pesadas. Surge muitas vezes a ideia de instinto, num exercício de improviso, entre um tremendo alarido, sintetizadores espaciais e vozes em vocoder. A interpretação de quem ouve será sempre subjetiva levada por sons articulados e outros inatingíveis, tal a selvagem e caprichosa maneira como os Za! debitam toneladas de texturas na sua música. A dada altura ouvimos a incrível Subeme El Monitorde WANANANAI (2013) numa intersecção de mundos, colide, de maneira esquizofrénica, um math rock onde detectamos algo de Battles com o free jazz e ainda o minimalismo de Reich. O concerto está cheio de tics, movimentos por impulso, carótidas à mostra e suor a jorrar pelos poros. O cocktail de influência é largamente meritório, sempre desafiados pelo absurdo, não se preocupam com a comodidade do consensual ou do genérico, e isso é digno da maior das vénias. Os aromas latinos misturam-se com beats e samples. Há ainda espaço para rock entrelaçado com jazz na mescla, que sugere a influência de bandas como os Tortoise. O concerto foi uma incrível orgia sonora, abrangente, variada, multidireccional e uma experiência incrível para os seus sentidos. E ainda melhor do que a descrever, foi senti-la. Do inicio ao fim, onde cada pormenor fortalece o sucesso da atuação. [CT]
Black metal from the ghetto, black metal from the projects! – diziam os EyeHateGod entre Dixie Whiskey e Sister Fucker (quão bonito foi escutar aquela icónica entrada!). Que a frase faça considerável sentido acaba por ajudar a explicar porque é que, sendo porventura o nome do cartaz com o mais relevante legado dentro género que ajudaram a fundar, estão longe de ser o mais popular ou consensual nome do festival. Na música dos EHG, o que remete para o género popularizado na Noruega é mesmo a quantidade de bílis expelida por minuto de música, com a referência aos guetos a lembrar-nos das raízes punk da banda. No fim de contas, por mais que Jimmy Bower ainda saque daqueles riffs mais bluesy com alguma frequência, por cada um deles levamos com um sem fim de cuspidelas do Mike Williams, com dissonância a rodos, com tempos que parecem não entrar quando esperamos, com alguns dos arrastares de som mais desconfortavelmente bem feitos da música extrema – sempre com inimitável aura sulista. Com tudo isto, como é que se explica o festival de tareia que se montou à frente do palco? É que apesar do sludge da banda americana ser maioritariamente lento, a agressividade e sujidade são de tal forma omnipresentes que o extravasar de energias é completamente natural. Pode não lhes acontecer em todos os concertos, mas quando conseguem levar para o palco a intensidade e a fúria decadente que tão lhes é característica e apanham com um público receptivo para responder fisicamente ao estimulo, então temos o que aconteceu em Barcelos – fossem os participantes no mosh fãs da banda propriamente ditos ou apenas festivaleiros que se resolveram meter lá para o meio só porque sim. “Act stupid”, diziaMike Williams durante Medicine Noose (tema novo que já vem sendo parte dos alinhamentos da banda): o público correspondeu em peso ao apelo do carismático frontman.
Se é verdade que muitas vezes a adrenalina provocada por música como a dos EyeHateGod e um público a reagir como se via pode toldar o julgamento no que diz respeito à qualidade da execução, neste caso não temos grandes dúvidas de que os músicos americanos se apresentaram no topo da forma: peso, volume e sujidade combinavam-se com uma coesão incrível onde Bower e Patton se destacavam pela tensão impressa e controlo de feedback. Umas horas depois começava a chover em Barcelos. Um momento que à partida seria de total contratempo assumiu-se como sendo completamente de acordo com o sabor que os EHGnos tinham deixado na boca – a cereja no bolo das coisas desagradáveis que nos tinham passado pela cabeça durante o concerto, sendo que como já deve ser óbvio por esta altura, utilizamos estas expressões no mais elogioso dos sentidos. [LP]
Tempo de dança no palco Vice, onde os Portugueses Octa Push mostram a sua electrónica de veraneio, desta vez em modo banda e acompanhados por Alex (Youthless), que com a participação da sua guitarra e voz, dava o seu contributo aos três temas de Oito( fresquíssimo álbum da banda) em que participa. O trio num concerto onde o cenário audiovisual merece amplo destaque, pelas constantes projeções, e o formato banda permite um carácter mais orgânico e dançável, numa electrónica complexa e inteligente, onde se nota a influência de África, facilmente identificável pelo passado dos seus dois elementos. As texturas largamente sónicas e ecléticas bebem a uma variadíssima quantidade de estilos. Há funaná ou afrobeat que, como já disse, chama África, mas há algures influências britânicas, ficando o palco invadido por house a travos de dubstep. Os sintetizadores, alimentam ritmos tropicais e batidas tribais. A temperatura subiu e, talvez influenciados por isso, os elementos da banda decidiram tirar parte da roupa, quando a dança descomplexada já invadia a plateia do palco Vice. Mantendo a influência das latitudes geográficas, haveria ainda espaço para o DJ Marfox, produtor da Enchufada, um dos protagonistas da “revolução kudurista”, que invadiu Barcelos. A sua música vibrante mas subtil , de raízes africanas, convida a terminar a noite de inspiração Lisboeta e cariz contemporâneo, inspirada nos subúrbios, bairros e ghetos da cidade, e aponta para um techno com pozinhos de katida, kizomba, funaná e tarrachinha num desenvolvimento estético difícil de rotular. Há quem opte simplesmente por vincar que Marfox é simplesmente o rei do Coolduro, E enquanto houve frescura, a dança não parou. [CT]