Não ficaria desconexo o quadro de Narciso, pintado por Caravaggio, como background visual de um concerto dos Meshuggah. Tal como a proeminente figura da mitologia greco-romana, também os suecos se embevecem e se exacerbam com as suas próprias virtudes: há um amor interminável pelo domínio do tempo, do groove, da cadência. Não, não é novidade. Mas, na tour em que decidem apresentar Koloss às plateias do Velho Continente, os nórdicos demonstraram em Lisboa que, num espectáculo seu, o auto-domínio atinge níveis surpreendentes.
Opostamente ao que se sucedeu em Vagos, onde a banda, em ambiente de festival, chegou a rematar alguns pregos (na imensaFuture Breed Machine, por exemplo), no Paradise Garage os Meshuggah foram exímios. O plano é simples: pegam em quinze músicas, sequenciam-nas, ensaiam-nas até à exaustação, e à sua volta constroem um implacável jogo de luzes, fortificado por um som que dispensa backline. Em palco, tudo isto se reproduz numa mecanizada e pujante actuação, que demonstra o inesgotável fascínio dos suecos pelo controlo de todas as variáveis.
Os Meshuggah, por consequência, não soam orgânicos. Quais ciborgues guedelhudos, os cinco músicos despejam sem o menor esforço noventa minutos de polirritmia. Coordenados ao expoente máximo, arrancam para cima de cada tema sem precisar de countdown e preparação aparente – seja de uma já catedráticaNew Millenium Cyanide Christ ou da novinha The Hurt That Finds You First, a facilidade que aparentam é semelhante. Se por um lado cativa e provoca admiração naqueles a que tudo isso assistem, por outro pode despertar alguma monotonia, principalmente pelo facto de os Meshuggah raramente apostarem nalgumas malhas que poderiam quebrar o “piloto-automático” do concerto. Mais facilmente se interioriza isso quando percebemos o quão bem resultou a dupla In Death – Is Life / In Death – Is Death, recuperadas daquele monstruoso Catch 33, e que descaradamente marcou pela destrinça a actuação dos suecos em Lisboa.
Curioso, também, que na digressão de apresentação de Koloss, os Meshuggah tenham acabado por tocar mais temas de obZen. Até tem algum nexo: músicas como Do Not Look Down ou I Am Colossus revelaram-se os pontos mais baixos da hora e meia de prestação, mostrando que a integração do novo álbum ao vivo ainda precisa de algum tempo de maturação. Haverá sempre uma Future Breed Machine e uma Rational Gaze para compensar.
Já depois de uns quase-imperceptíveis C.B Murdoc – fruto de uma acústica demasiado confusa -, os Decapitated ofereceram uma boa antecipação àquilo que lhes seguiria. Quiçá por Carnival Is Forever, o seu mais recente disco, ser orientado pelo djent, a verdade é que os polacos conseguiram um concerto sólido e coerente com a toada da noite. Numa banda que em 2007 se viu assombrada pela tragédia, é de admirar que ainda mantenham uma vitalidade artística que lhes proporcione um gig consistente e bem adornado pela inevitável Spheres of Madness. Quem os viu pelo Cine-Teatro em 2010, até poderia pensar que o fim estava próximo. Afinal…