Os Melvins serão sempre relembrados como a primeira banda da qual Kurt Cobain fez parte, nos tempos primitivos da cena de Seattle, ou melhor, da afamada cidade de madeireiros: Aberdeen. Sombra chata que nunca abandonou a banda e nunca tornou possível abordar o projecto de uma forma completamente neutra, ou seja, sem pensar automaticamente nos Nirvana.Apesar de ambas as bandas terem tido algumas colaborações durante as suas carreiras, como o EP Melvana (1992) – em que tocam covers dos Flipper – , a verdade é que os Melvins nunca tiveram muito que ver com os Nirvana. Enquanto a banda deSmells Like Teen Spirit estava mais enrolada numa onda pop, os Melvins estavam mais interessados no experimentalismo extremo, por vezes quase a roçar o drone tão em voga neste momento pelos contributos dos Sun O))) e Earth. O exemplo mais crasso desse vector da banda será talvez o álbum Bullhead, de 1991.
Esse experimentalismo tem tirado os Melvins, nos últimos quatro anos, do caminho dos originais por conta própria. Hostile Ambient Takeover (2002) foi o último registo dos Melvins ‘a solo’ – isto muito por culpa das colaborações, tanto com o Dead Kennedy Jello Biafra, da qual resultou Never Breathe What You Can’t See (2004) eSieg Howdy! (2005), como com Lustmord, que fez nascer Pigs of The Roman Empire(2004).
Com tanta produtividade nos últimos tempos e com esse passado marcado pelo experimentalismo, seria de esperar que A Senile Animal pudesse ser mais uma ‘coisa’ lançada pelos Melvins na sua já extensa carreira de 23 anos, sem nada de particularmente interessante a acrescentar. Até porque os Melvins, desde o mítico Houdini (1993), nunca mais conseguiram produzir algo de verdadeiramente espectacular que estivesse realmente ‘à sua altura’.
Surpreendetemente, A Senile Animal pode bem ser um dos álbuns mais inspirados de sempre dos Melvins, competindo lado a lado com o já referido Houdini ou OZMA, de 1989. Desde a primeira à última canção, este é um álbum fabuloso! Logo a abrir,Talking Horse, uma faixa punk, directa e agressiva, é um tónico importante para motivar o ouvinte a descobrir o resto do álbum (toda a gente sabe como é importante que a primeira canção de cada disco seja cativante, certo!?). Para isso parece ter sido importante a tarefa de colorir as canções com mais substância melodiosa, algo que osMelvins nem sempre sem empenharam a fundo, sendo muitas vezes secos e um pouco repetitivos.
Aqui temos um álbum trespassado de melodias aconchegantes que transformam completamente a abordagem tradicional Melviniana às canções. Aglutinando essa mutação às roupagens surrealistas e cavernosas habituais dos instrumentos de Buzz Osborne (guitarrista e cantor), Dale Crover (baterista) e Jared Warren (baixista), produzem-se momentos genuinamente interessantes, como Civilized Worm ou History of Drunks. Se a estes juntarmos a agitação quase punk de Rat Face e de You’ve Never Been Right, tudo se torna ainda mais vibrante. No meio de tanta coisa boa, parece importante referir a extraordinária prestação de Dale Crover na bateria, (a faixa The Hawk pode ser um boa indicação disso) e que o confirma como um dos bateristas mais pujantes de todos os tempos.
A habitual praxe de construir canções longas e arrastadas, a que os Melvins habituaram os seus ouvintes também não é deixada aqui de lado. Porém, mesmo essas canções mais arrastadas ganham uma dimensão diferente, pela já referida dinâmica imprimida pelos Melvins. Exemplo disso é A Vast Filthy Prision, uma proto-balada que dá, de resto, um fim triunfal a A Senile Animal.
Vinte anos de carreira para os Melvins não parecem ter um significado de estagnação, como à partida se poderia prever. Neste caso significa uma maturidade suficiente para perceber ‘com quantas linhas se cosem’ um bom trabalho: dinâmico e surrealista q.b. Não fugindo à sua sonoridade habitual, os Melvins transfiguram-se oferecendo uma boa alternativa para passar o tempo e fazer face aos recolhimentos necessários provocados pela chuva constante. Até parece que têm vindo a adivinhar as mudanças de humor de uma metereologia deslocada!