Max Richter pertence àquela nova geração de compositores que tanto vai buscar inspiração ao minimalismo americano como à música electrónica, algo que podemos ouvir claramente no penúltimo álbum (Infra, de 2010): uma música como Journey 1consegue ser parecidíssima com a Metamorphosis 2 de Philip Glass e, no entanto, criar uma atmosfera bastante diferente. Nos motivos musicais pequenos e simples, Max Richter assemelha-se aos minimalistas, mas opta por composições de menor duração, por vezes com elementos digitais, e estruturando algumas passagens não por fases mas por camadas – tudo elementos mais comuns na música pop e electrónica. É um estilo que nos habituámos a associar ao cinema e, de facto, o seu trabalho com realizadores de cinema independente é já bastante extenso, dada a carreira de apenas uma década do compositor.
É certo e garantido que para muitos fãs de música clássica, o queMax Richter decidiu fazer este ano é uma completa heresia. A música erudita é dotada de um perfeccionismo sem par, e assume-se que os compositores que singraram o conseguiram por terem composto obras perfeitas. O que é perfeito é, então, intocável, e só alguém pretensioso ou idiota é que, à partida, ousará modificá-las. Mas em vez de darmos ouvidos aos puristas que se recusam a ouvir, digamos, as peças para cravo de Bach num piano, podemos dar antes ouvidos à música. Mais especificamente, à recomposição de uma peça com 300 anos levada a cabo por Max Richter. Regressando à época da composição original, estamos em pleno período Barroco, durante o qual surgiram ideias como usar as notas graves para fornecer uma base harmónica à música, variar da velocidade da música, e desenvolver uma polifonia cada vez mais complexa. Surge também um maior interesse na música programática (aquilo a que hoje chamaríamos “álbum conceptual”), e aparecem géneros novos, como o concerto, que se caracteriza por uma separação entre solista e orquestra e uma alternância do andamento dos movimentos (habitualmente rápido-lento-rápido, na forma italiana). As Quatro Estações de Vivaldi é assim uma música programática de quatro concertos e uma das peças mais brilhantes da música barroca.
Dando um salto de 1723 para 2012, a conceituada Deutsche Grammophon lança The Four Seasons Recomposed by Max Richter, com a orquestra Konzerthaus Kammerorchester Berlin, o maestro André de Ridder e o violinista Daniel Hope. Por aí já percebemos que não foi feito um “remix”, mas uma recomposição verdadeira e, tendo escolhido uma peça tão conhecida, os ouvintes percebem melhor em que consistiu o trabalho do compositor britânico.
Max Richter mantém a estrutura da música (quatro concertos de três movimentos cada, respeitando os seus andamentos), com excepção para o “prelúdio” Spring 0, a música que utiliza as melodias iniciais das Quatro Estações de Vivaldi para nos dar uma ideia do que aí vem. A partir daí, temos uma modernização da composição, dentro de moldes barrocos. Grande parte da música original desaparece, mas todas as grandes passagens sobrevivem, servindo frequentemente de mote para alterações bem interessantes. Summer 3 é um dos casos mais flagrantes, onde tudo é reconhecível mas, no entanto, totalmente novo, terminando com um crescendo ao estilo de Hans Zimmer que dá lugar a um drone final. De entre todas as mudanças nas 13 músicas, pode destacar-se a restrição do cravo a uma só faixa, Autumn 2, e o simples mas brilhante pormenor de transformar totalmente uma música ao retirar uma única nota a uma das melodias mais conhecidas desta composição, em Winter 1 (e coitados dos músicos que tiveram de reaprender algo que tocaram da mesma forma centenas e centenas de vezes).
Este ano tem-nos apresentado diversas ideias musicais: o ORO de proporções wagnerianas dos Ufomammut, o álbum de estreia da fusão Throes + The Shine, a abordagem à World Music dos Goat e o álbum de Jim Jarmusch com Jozef van Wissem são apenas alguns dos exemplos. As abordagens novas à música clássica não são também nenhuma novidade, mas é raro encontrarmos uma com esta qualidade. Max Richter compreende de igual modo a música barroca e a contemporânea, e realça o grande valor de algo que, de tão banalizado, estava já a tornar-se cliché.