Pelos dedos das mãos se contam as ocasiões em que o Coliseu decidiu entoar o nome de uma banda de abertura. E maior se torna o esforço da nossa memória quando limitamos o leque de resultados a grupos quase desconhecidos para o público português. Porém, os Red Fang são como aqueles indivíduos, que, passados dez minutos de amena cavaqueira inicial, nos parecem velhos conhecidos e antigos companheiros de peripécias. O ar despreocupado e descontraído com que os norte-americanos vão passeando o seu manancial de riffs e grooves bem cinzelados encanta. A catchiness e simplicidade de temas como Hank Is Dead ou Malverde, desenhados sob a batuta do stoner e blues sulista (com um piscar de olho a Melvins), fazem das figuras barbudas que compõem os Red Fang personagens de um conto onde a cerveja gelada é o combustível de um motor que não se rege só pelo mid-tempo e decide, aqui e ali, pressionar o acelerador.

Tudo isso foi transportado com exactidão para o palco do Coliseu de Lisboa, onde, sem receio de enfrentar uma plateia bem composta, os homens de Portland ofereceram quarenta e cinco minutos daquilo em que o rock n’ roll deve ser alicerçado. Sem ornamentos desnecessários, sem esforços supérfluos – apenas vontade de aproveitar a ocasião, com a mesma boa disposição e à vontade com que gastaram os cinco mil euros da Relapse no clip de Wires. Não admira, portanto, o ruidoso aplauso com que a plateia os brindou no final; não espanta que vários tenham sido aqueles que saíram do Coliseu com uma camisola deles.  E não surpreende que muitos se tenham arrependido do ar sobranceiro com que receberam o anúncio dos Red Fang para a primeira parte da noite que trouxe os Mastodon pela primeira vez em nome próprio a Portugal.

Red Fang © Paulo Tavares

“Esses gajos no Coliseu é que era!”, ouvia-se, com recorrência, assim que o assunto Mastodon era trazido à mesa de conversa. Dry Bone Valley colocou um ponto final na ânsia daqueles que, após várias passagens por festivais e primeiras partes de outras bandas, desejavam ver o quarteto com direito a uma noite sua. Uma entrada fria, como que a apalpar terreno, ou não fosse a faixa de abertura pertencente a um disco que ainda se está a entranhar no faro daqueles que se inebriaram com Leviathan ou Crack The Skye. A reacção muda de pronto quando a guitarra de um Brent Hinds em leve coxeio (havia partido o pé faz dias) desembesta o riff de Crystal Skull – sejam, então, bem-vindos ao sludge arquitectónico made in Atlanta.

De olhar cravado numa plateia em efervescência, os Mastodon ofereceram, em tom ríspido, aquilo que os tornou grandes – de tal forma, que se torna caricato imaginá-los, em 2003, a abrir para os The Haunted, no Paradise Garage. Directamente de LeviathanI Am Ahab e Megalodon (que adrenalina, no despique final) atiçaram múltiplos vortexes, para onde convergiam os corpos à procura do embate. Por entre elas, Colony of Birchmen aquecia a garganta de um Coliseu que se fez ruidosamente ouvir e percebeu que, afinal, as vozes do grupo estão bem melhores do que as lembranças de um Super Bock Super Rock ou de um Alive nos faziam pensar – mesmo quando Troy Sanders se vê obrigado a vociferar as partes de Scott Kelly em Spectrelight. O som, esse, também não comprometeu.

Satisfeitas as necessidades primárias, os Mastodon avançaram para The Hunter e colocaram-no de caçadeira em riste, munido de um cartucho multifacetado: ora feito de uma Blasteroid reminiscente do sludge Torcheano, ora composto por uma orelhuda All The Heavy Lifting, que deixa perceber que Portugal, afinal, até já conhece bem os refrães de várias músicas do novo trabalho. A Curl Of The Burl que o diga, ou não fosse este o single primaz – poucos foram aqueles que não acompanharam o seu riff descomprometido e os ‘oh, oooh’ à Josh Homme.

E esta atmosfera, mais relaxada e menos dada à bestialidade, que as novas músicas dos Mastodon patenteiam nem por isso parece contrastar com os momentos em que o grupo decide investir numa soturna Ghost of Karelia ou numa melancólica Sleeping Giant. Nisso, saúde-se os homens de Atlanta: não é tarefa fácil incluir pedaços tão distintos da sua extensa carreira e fazer com que se contrabalancem em belo efeito. De tal forma que Bedazzled Fingernails actua como gatilho perfeito para uma recta final digna de um Usain Bolt.

Seja pelo pedregulho intitulado Crack The Skye, seja por uma Iron Tusk que volta a demonstrar que Brann Dailor é, de forma quase ridícula, um baterista incrível. Então e do Remission não há nada? Claro: algum concerto de Mastodon fica completo sem o capitulante bombardeamento de March of The Fire Ants? E, para aqueles que continuam a preferir os primeiros anos de vida dos senhores do whalecore, houve ainda uma Where Strides The Behemoth. Cansados? Blood and Thunder não só leva o Coliseu às cordas, como o coloca em K.O. técnico. Estes são os Mastodon, mais de uma década depois de tudo ter começado: a visceralidade de início de carreira ficou retida lá bem atrás, é certo; mas a atitude quase em modo piloto-automático chega para que a plateia erga a bandeira branca.

Creature Lives, gospeliana quanto baste e amplificada pelas vozes dos Red Fang, que se juntaram também ao encerrar de noite, funciona como despedida epopeica e resurrecta de um 22 de Janeiro que parece ter siderado os que pelo Coliseu estiveram.

Da parte deles, dos MastodonBrann assumiu-se porta-voz: “Foi o melhor concerto da tour, até agora. Vemo-nos no Verão, está bem?”. Cá os esperamos. Enquanto isso, eles já andaram a espalhar o amor por Portugal no seu facebook oficial.