Quando a história cumprir o seu papel, Tiago Capitão será, provavelmente, a faixa de Pesadelo em Peluche que se eternizará e se juntará àquele lote infindável de músicas emblemáticas de Mão Morta. O verso “Vamos em frente, Olho por olho, Dente por dente, Ó Capitão” aguça-se e crava-se em nós, dissolvendo o tempo, um “tempo que não espera mim”, nem por ninguém, como a cerrada e industrial Aum anuncia.
Foi esta uma das ideias repetidas por Adolfo, a cada pausa que o concerto lhe dava. Trovador por excelência, de ironia em punho, mordazmente desferiu golpes no statu quo: televisão, economia, política – as protuberâncias de uma castração permanente, que os Mão Morta tentam decepar a cada actuação.
Colocando de parte várias das faixas que compõem o alinhamento habitual, os bracarenses optaram por atacar o TMN Ao Vivo com algum do seu material mais visceral, adequando-se, lá está, à era que atravessamos. A rara e tenebrosa Destilo Ódio seguiu-se à inebriante Velocidade Escaldante, deixando antever aos presentes que a noite não estava para Rock & Rollar ou ter Big Fun.
Véus Caídos recolocou o Cais do Sodré em 1988, altura em que, certamente, “havia droga e não somente economia” na capital. Não se visitou, por entre as sombras e o lixo, Lisboa, mas assistiu-se à destruição do muro em Berlim (Morreu a Nove), com direito a uma veemente sova de Adolfo no cão de peluche que passou todo o concerto estendido em palco. Da cortina férrea berlinense, viajou-se até à trágica Paris (Amour A Mort), completando o itinerário concedido aos Mutantes nascidos em 1992.
Escravos do Desejo fez-nos recordar o porquê de Vénus em Chamas ser um dos melhores e mais esquecidos álbuns da música nacional e o riff aliciante de E Se Depois a razão de os clássicos de Mão Morta serem insuperáveis, passem-se dez, vinte ou trinta anos. É o que demonstra 1º de Novembro sempre que é entoada em coro: desta vez, com direito a participação especial de uma dançarina do ventre, que se bamboleou enquanto Luxúria Canibalcuspia o seu imperceptível silabar.
Para terminar, um encore que se multiplicou por três. E se Adolfo, no início, afirmou provocatoriamente que a actuação no TMN Ao Vivo serviria de “sala de ensaio para os concertos naquilo a que os lisboetas chamam de província”, acabou por se render aos incessantes pedidos por mais que que se ergueram depois deVamos Fugir, a última música presente no set “oficial”. Os Mão Morta voltaram por mais duas vezes, onde Charles Manson e a icónica Anarquista Duval se fizeram definitivamente ouvir como conclusão de mais um irrepreensível concerto da banda portuguesa.