Alguma vez seriam quem são se, por exemplo, cantassem em inglês? Iguais a esse manancial de réplicas, peluches de rockstar, consultórios do lugar-comum e da poética demasiado fácil. Não deveriam, pelo contrário, os bracarenses ser uma influência e linha de orientação para outras bandas portuguesas? De certo, mas ninguém tem coragem de ser os Mão Morta por inteiro nem a longo-prazo, o reconhecimento é demorado e o caminho tem demasiada luta e frustração. Verdade seja, também, que não se arranjam Adolfos do dia para a noite. Mas o carisma não é tudo se quisermos o que é tangível e não apenas quase erecções como os Sensible Soccers.

Existe a identidade. E essa não é alcançada pelos efeitos da globalização, nem por tornar nacionais sons estrangeiros e fazê-lo na mesma língua dos originais. Ela surge da realidade, pela sua expressão e do sentimento que daí advém. E este não pode surgir de uma abstracção infértil de pensamento e de vida real e, neste ponto, a linguagem é um elemento crucial. Por outras palavras, imaginar Adolfo Luxúria Canibal a cantar em inglês é absurdo e irreal como 90% da música portuguesa.

E até parece fácil vendo-os hoje, mas já lá vão quase 30 anos arock’n’rollar, sem panos quentes nem mosaicos nas publicações, e não há sítio onde não possam tocar e encher a casa. Mais um exemplo foi o Lux Frágil sexta-feira. Uma maralha diversa de almas, unida pelos versos de “Irmão da Solidão”. O último registo da banda, “Pelo Meu Relógio São Horas de Matar”, é um almanaque de fotos desagradáveis, de um Portugal preso pelos colhões, com uma taxa de ultraje que atinge níveis históricos (e este conceito não é novo para nó ). “Hipótese de Suicídio” ilustra-o na perfeição, com dureza e nojo que se lhe colam como molúsculos famintos.

A meu lado, encontrava-se um senhor na casa dos sessenta. Encostado a um dos pilares do Frágil, a cabeça caía-lhe sintomaticamente para a frente, quase adormecendo, dando a ilusão de que estivesse a fazer headbang. Fazia-se acompanhar por um outro senhor de cabelos brancos que contemplava o que era emanado do palco com visível interesse. Vi-o contorcer as feições durante “Velocidade Escaldante” e arregalar os olhos à interpretação brutal de “Bófia”, que Adolfo Luxúria Canibal confessou há muito não cantar. Mais ainda o vi solene no regresso para o encore, com a profética “Os Osso de Marcelo Caetano”, em resposta a diversos oublás, depois de um falso final dado pela faixa homónima do último registo. Jogou a mão ao queixo, demoradamente e introspectivo, motivado talvez por uma recordação específica ou pela simples nostalgia, e assim se prostrou até ao fim de “Tiago Capitão”. O final, foi com o tema fetiche da banda, “Anarquista Duval”, com um “regresso” de José Pedro Moura para «nós matarmos saudades dele e ele nossas», confessou o vocalista.