Eles vão à estirpe. Ao acorde, à distorção, ao ruído. Disto se alimenta o abecedário dos Mantar, duo turco-germânico sucinto no seu desígnio: resgatar a veemência do peso. Não lhes importa a origem; metal, punk, hardcore são apenas vilarejos linguísticos que na altura da verdade, quando o amplificador grita, têm idêntico propósito. O aviso que nos fazem é um, somente um: não lhes chamem sludge. Após “Death By Burning”, álbum de estreia em Fevereiro cunhado pela Svart, aos Mantar já lhes falta espaço lá na garagem para tanto elogio e convite. A Portugal vêm nesta semana para cinco concertos:

  • 7.Maio – República da Música, Lisboa | Primeira parte de Celeste
  • 8.Maio – Fantasma, Lisboa
  • 9.Maio – Stairway, Cascais
  • 10.Maio – Armazém do Chá, Porto
  • 11.Maio – ADAC, Pombal

Fala-nos sobre os primeiros dias de Mantar.

Conheço o Erinc [baterista] há quase dezassete anos, mas só há pouco tempo decidimos fazer uma banda. Sempre mantivémos uma ligação profunda com o underground alemão: tocámos em várias bandas locais e gravámos alguns discos apenas disponíveis dentro do nosso país. Já estivemos em centenas de pequenos bares e espaços de ensaio. Finalmente, temos um grupo em conjunto e estamos muito satisfeitos com ele. Funciona bastante bem, algo que é indissociável da amizade que mantemos. Há, de certeza, uma grande química entre nós, pois partilhamos a mesma ideia sobre a música pesada.

E que significa Mantar?

É uma palavra turca para cogumelo. Tem uma entoação corpulenta e forte. Cai bem numa banda como a nossa e proporciona-nos um logotipo todo jeitoso. Simples e old school.

Por norma, um projecto leva algum tempo até editar o seu primeiro LP. Vocês, por seu lado, estrearam-se com um longa-duração e estão já a sublinhar o vosso nome na Europa. Até tocaram há dias no Roadburn. Esperavam tudo isto tão rapidamente?

De forma alguma, sendo sincero. Estamos surpreendidos. Absorvemos tudo como uma dádiva e sem qualquer expectativa, gratos e felizes pelo feedback positivo. É óptimo testemunhar como a boa e dedicada música ainda viaja de boca em boca no saudável circuito underground.

E como foi a experiência no Roadburn? Já tinhas visitado o festival como parte do público?

Nunca havia lá estado antes. Foi excelente. Boa gente, partilhando a mesma paixão pela música pesada. É, metaforizando, como uma banda de hair metal a tocar na The Sunset Strip. [risos] Apreciei bastante a forma como fomos tratados pelo staff e pela plateia. Mas tenho de dizer que adoro qualquer concerto, mesmo que à nossa frente estejam apenas trinta miúdos. Uma boa atmosfera não depende de uma plateia numerosa.

Mantar é uma banda directa, orientada pelo riff e despida de qualquer elemento supérfluo. É esse desejo pelo básico, pelo rudimentar, que vos move?

Como somos apenas dois, temos de garantir que os riffs ou as melodias que usamos são intensas, pois só nos podemos concentrar numa coisa de cada vez. Creio que é uma excelente vantagem, já que são esses os elementos que as pessoas mais recordam num tema – uma melodia particular, um riff ou um diferente ritmo de bateria. Focamo-nos nisso e deixamos de lado todos os gimmicks desnecessários. Na maior parte das vezes, não fazemos overdubs, nem solos de guitarra. Assim, o processo de gravação é bem simples e fácil. O disco de estreia é aquilo que defendemos: uma crua demonstração de poder. O que ouves é o que há. Sem truques, sem imagem. Raiva pura. Temos de tocar pesado para nos mantermos ao nível de grupos com quatro, cinco elementos. E é o que fazemos. Queríamos que o álbum soasse à nossa sala de ensaio.

Que vantagens e desvantagens sublinharias no facto de Mantar ser um duo?

A democracia flui. Se um de nós diz não, então é não! [risos] Andar na estrada é mais fácil. Não vejo desvantagens. Somos um duo pois não queremos fragmentar a energia que há entre nós com a inclusão de outro membro. Além disso, se conheceres bem o teu equipamento, podes fazer grandes danos!

Vocês têm uma tonalidade grave, apesar de não haver baixo. Que variações usam para conseguir esse som?

Toco com três amplificadores em simultâneo. Imensa distorção e amplificadores de baixo. Uso stompoxes especiais para conseguir esse low end, também. Como disse, tens de ter conhecimento sobre o material que usas, sendo um duo. E eu acho que sou um entendido. Um nerd.

Essa simplicidade de Mantar não te preocupa em relação ao futuro? A uma possível estagnação por haver pouco espaço para a introdução de novos elementos?

Não sei. O tempo o dirá. Não me debruço demasiado sobre essa questão. Desde que gostemos do que compomos, faremos novos álbuns. Mas ninguém prometeu um segundo disco.

O “Death By Burning” define-se como um lançamento DIY, tendo a produção ficado a vosso cargo. Essa atitude vem do vosso passado no punk hardcore?

Bem, o punk para mim sempre foi um estado de espírito: fazer tudo com dedicação e estar apto para conceber arte sem muito trocos à mistura. Foi o que aprendi. E se não tiveres dinheiro por aí além para gravar um disco, então tem a certeza de que ele vale pela sua música. Foi o que garantimos com Mantar.

Mas a capa do “Death By Burning” não é feita por vocês, certo?

Não. A pintura chama-se “The Crown” e foi criada pelo grande artista Aron Wiesenfeld. Encontrei-a e decidimos que seria a nossa capa: descreve a música de uma forma mais eficaz do que alguma vez poderíamos fazer. A falta de esperança cravada na face da rapariga enquanto a sua coroa arde… Épico. A expressão “Death By Burning” vai além do simples arder na fogueira. Pedimos ao Aron para usá-la e ele acedeu simpaticamente. É uma honra termos tamanha peça artística a representar o que fazemos. Ele é um talento incrível.

E como é que a Svart apareceu?

Da maneira clássica. Arranjámos o e-mail da editora e enviámos um link com a nossa música. Eles disseram “vamos nisso!”. A proposta deles foi suficiente e aceitámo-la de pronto.

Regressando ao vosso passado, Hamburgo é uma cidade conhecida pelo fervoroso underground, bem assente numa grande entreajuda. A cidade foi importante para vocês enquanto fãs de música ou pertencem àquele pessoal que não querem sequer ouvir falar da palavra “cena”?

Nós nascemos em Bremen, a 96 quilómetros de Hamburgo, que é uma cidade porreira, famosa pelo “Bremen-core” dos anos 90 – bandas tipo SystralAcme ou Mörser. Uma vénia a estes tipos. É sombria, fria e na maior parte do tempo faz chuva. O clima ideal para criar malhas bem agressivas. Faz parte da nossa natureza não tocar skate punk, pois fazemos algo que reflicta o quotidiano. Já Hamburgo não tem em nós uma influência particular, enquanto músicos. Apenas lá vivemos há seis anos e nunca fizemos parte de uma “cena”. Aliás, queremo-nos afastar disso, nestes tempos que vivemos. Não queremos satisfazer os desejos de ninguém.

O Erinc é turco e vocês já foram convidados para lá tocar. Estão a receber atenção especial desse lado do mundo?

Nós tivemos um artigo enorme na maior revista de metal da Turquia. Não tenho a certeza se se deve à origem do Erinc. Geralmente, não acho que seja por esse facto que as pessoas nos ouçam por lá.

Summer Breeze, St. Helena, Jalometalli, Getaway – os Mantar têm um verão preenchido. É decisivo irem para a estrada? E quão motivados estão para a digressão ibérica que aí vem?

Mal podemos esperar. Como acima disse, é uma dádiva podermos percorrer o mundo. E estamos ansiosos para sentirmos essa vibrações estivais em Portugal e Espanha. Queremos beber umas cervejas convosco. Vocês são impecáveis, obrigado por todo o apoio. Portugal é particularmente especial para mim, pois parte da minha família é de lá e nunca aí estive.