A suma é simples: se os Morphine deixassem os analgésicos, soariam, muito provavelmente, aos Big Sexy Noise de Lydia Lunch. Em Aveiro, a musa da música independente dos anos 90 apresentou-se despida de vídeos e de discursos maníacos sobre os seus fantasmas, como havia feito há dois anos, quando passou por Lisboa e Guimarães, mas trouxe aquilo de que se sentiu mais falta: uma banda, guitarra de notas bem graves, saxofone (às vezes teclados, às vezes outra guitarra) e uma bateria bem compassada.
Faça-se jus à situação: a banda puxou pela melodia que se ausentava da voz rouca de whiskey de Lydia Lunch, aquando do seu espectáculo se Spoken Word, mas nem assim impediu esta senhora de tomar conta do palco e de recitar e declamar, alta e claramente, cada palavra das suas letras para todos os presentes, sempre para um de cada vez.
Gospel Singer abriu as hostilidades. Sendo desde logo aclamada pela audiência, num registo intimista do Teatro Aveirense, que proporcionou um concerto em cima do palco – banda num estrado, de costas para a plateia vazia e de frente para o público, numeroso, a ocupar o resto do palco do Teatro -, a musa de Nova Iorque percorreu o seu vasto reportório, com Self Defence ou Devil Working, passando por Baby Faced Killer e Bad for Bobby.
Ao encore, e com uma explosiva e incendiária introdução da anfitriã, bem direccionada para as senhoras presentes, precedeu a incontornável Your love don’t pay my rent – mensagem recebida. Subtileza não é o estilo de Lydia Lunch, isso é certo e é bem sabido. Se o tiro anterior foi disparado em todas as direcções e sem margem para dúvidas, a mensagem seguinte não podia ser mais clara: não se impede a Lydia Lunch de fumar. Quando toda a gente se retraía de conspurcar o espaço imaculado do palco do Teatro Aveirense com fumo e beatas, a norte-americana ressurge em palco, depois da merecida pausa, com o adereço que compõe a sua personagem e que caracteriza as suas performances: um cigarro, bem alto no seu braço e, finalmente, bem aceso na sua boca, que ainda se atreveu a cuspir o fumo para o vazio, onde não se podia disfarçar.
Lydia Lunch é uma ode à feminilidade. De vestido preto, sensual, consegue fazer passar isso para o seu público, com as suas mensagens gráficas e o seu olhar intenso. Quem a vê, não lhe fica indiferente. Talvez por isso, o feedback que recebeu foi tão notório: sorrisos e o abanar das ancas, sem pudor. Como Lydia Lunch gostaria.