A polémica não é alheia ao black metal, um género que floresceu entre as ruínas de igrejas norueguesas queimadas e o assassinato de Euronymous. Com Aesthethica, os Liturgy continuam a fazer o que começaram em Renihilation: testar a paciência dos puristas do black metal e deliciar os leitores mais aventureiros da pitchfork e afins.
Por detrás da música dos Liturgy, está um monstro criado por Hunter Hunt-Hendrix, o mentor e vocalista/guitarrista da banda. Um monstro que toma conta de entrevistas e devora páginas de publicações pouco dadas ao metal extremo, como o Ny Times e aTime Out da mesma cidade. “Poser” e “hipster”, gritam os velhos do Restelo, ao ver Hunt-Hendrix desbobinar sobre o seu ensai o Transcendental Black Metal – um texto em que, basicamente, Hunt-Hendrix afirma o que é que o black metal moderno deveria ser, e incentiva todos a abandonar a individualidade e aproveitar as suas ideias e motivações. É um monstro pretensioso, arrogante e convencido. E um tiro no pé, porque hypes e piscar de olhos a cenas artísticas e publicações mainstream à parte, a música dos Liturgy não é nenhuma revolução. Pelo menos para quem ouve e acompanha o black metal norte-americano desde os (míticos, geniais) Weakling. Sim, tem umas influências diferentes aqui e ali, umas mais forçadas do que outras. Tem uns tempos e mudanças rítmicas, ora mecânicas ora caóticas, mais experimentais do que o género nos habituou, mas a parte black metal é, ironicamente, bastante tradicional. O tremolo picking denso e estridente, os berros agudos e as blast-beats/hyper blast… Não está nada mal feito, antes pelo contrário, só não é tão transgressivo como nos fazem crer.
É um disco bipolar, Aesthetica, com os seus 65 minutos divididos por 12 faixas. Experimental e básico ao mesmo tempo, como poucos. E intenso. Se há coisa que este quarteto nova-iorquino não pode ser acusado é de falta de intensidade. Só é pena queAesthetica, na sua ânsia de inovar, esteja pouco focado, pouco coerente em certos momentos, problema que não afectou o debutRenihilation. Ainda não é a revolução que muitos pretendem, e, apesar do disco (musicalmente) ter muitos mais pontos positivos do que negativos, há muitos projectos US black metal superiores aosLiturgy, como os Woe, Ludicra e Fell Voices, além dos nomes mais óbvios, como Wolves in the Throne Room e Skagos…
Concorde-se ou não com as pretensões artísticas e com o discurso de Hunter Hunt-Hendrix, a verdade é que os seus Liturgy estão a deixar muito boa gente furiosa. E não é esse o objectivo do black metal? Concorde-se ou não com o “transcendentalismo” e com a afirmação/superação que Hunt-Hendrix propõe, a verdade é que muitos dos nomes grandes do black metal tradicional, tão orgulhosos e seguros de si, há muito que deixaram de ser relevantes. E o black metal actual, especialmente o norte-americano, enquanto “herdeiro espiritual” da cena punk, não se pode dar ao luxo de ser inofensivo.