Quem já assistiu a um concerto de Adorno sabe que pode sempre contar com uma presença plena de humildade e competência, características de quem se dedica à música por amor e pelas próprias mãos, sobre os alicerces de uma forte amizade. Esta noite não seria excepção e o quinteto teve novamente uma prestação francamente positiva, fazendo esquecer por completo que a sua formação se encontra actualmente dispersa por três países.

Os cinco músicos mostraram-se visivelmente entusiasmados e embrenhados desde o primeiro momento, transpirando cumplicidade, e após o tema de arranque, The Whale, João Pinheiro agradeceu a presença de todos e congratulou a oportunidade de dar um concerto “geograficamente impossível nos últimos 11 meses”. Aliás, esta raridade de actuações gera sentimentos antagónicos: por um lado, é penoso passar imenso tempo sem a oportunidade de os ver em concerto; por outro, de cada vez que acontece, a experiência torna-se mais intensa. Não tendo propriamente uma legião de seguidores, são uma banda que cria laços fortes com o seu público e cada reunião é uma espécie de evento de família, tal é a quantidade de caras conhecidas de ocasiões anteriores. Seguiu-se Conections, não sem antes Braúlio Amado relembrar que, apesar da distância e clichés à parte, Lisboa continua a ser a melhor cidade do mundo. Logo depois,Uncharted Maps pôs a sala da ZDB a cantar em coro.

À medida que o alinhamento avançava, saía reforçada a impressão de que os Adorno assumiram uma cadência ligeiramente mais lenta e com maior balanço, o que beneficiou a sua sonoridade e resultou numa interpretação dos temas bastante sólida e de grande maturidade.

Ricardo Martins fez questão de reforçar que a distância física a que actualmente se encontram acaba por aproximar os elementos da banda e potencia mais ainda o seu gozo de fazer música pelo simples prazer de a fazer. Na recta final, houve ainda tempo para um tema novo, Up North, e, a fechar, a obrigatória Timeline, com um novo arranjo mais elaborado.

De registar que, apesar da distância física que tem levado ao hiato de concertos quebrado esta noite, a banda está a planear entrar em estúdio e lançar novos registos, tendo inclusivamente alguns concertos agendados para o próximo ano. Apesar disso, quem não aproveitou esta oportunidade provavelmente terá de esperar algum tempo para ver os Adorno em palcos nacionais.

Já passava da meia-noite quando entrou em acção o cada vez mais mítico quarteto de Queluz, que depois do lançamento do seu último álbum e da fabulosa temporada de concertos que se lhe seguiu, parece ter pegado em definitivo na bandeira que os Ornatos Violeta deixaram cair. De volta a Lisboa e a uma sala mais acolhedora, os Linda Martini reuniram-se esta noite para um concerto intimista, tão despreocupado quanto intenso. Hélio Morais apresentou a banda com humor anunciando: “nós somos os Adorno, palmas para os Linda Martini que estiveram aqui há pouco”, num claro sinal de aprovação para com a banda anterior. Desde cedo ficou a promessa de uma noite à antiga mas ninguém esperaria, e provavelmente nem queria, que a actuação se descaracterizasse ao ponto da sua Casa Ocupada ser despejada do alinhamento. Assim, como se de clássicos se tratassem, surgiram meia dúzia de temas daquela que afirmo convictamente ser a sua melhor obra e uma das melhores de sempre no panorama musical alternativo português. Nós os Outros, Juventude Sónica e Mulher a Dias não puderam ficar de fora, mas foi o murro de Belarmino que marcou o arranque da actuação. Naturalmente que o anterior Olhos de Mongol também teve o seu lugar na festa, nomeadamente através de Cronófago e Dá-me a Tua Melhor Faca. Contudo, a banda arriscou e foi pouco convencional ao deixarAmor Combate de fora.

Idades à parte, quase todos os que compareceram na sala lisboeta pareciam de facto putos sem aulas nem qualquer outro compromisso marcado para o dia de amanhã tal era a sede com que aproveitavam cada momento, e nem mesmo o ar condicionado recentemente instalado foi capaz de arrefecer o ambiente. A boa disposição manteve-se com o anúncio de Efémera, que remonta à demo de 2005, como “uma das novas”.

Amor é Não Haver Polícia estendeu a passadeira para Cem Metros Sereia, uma espécie de hino alimentado pela incontornável frase que, com muito ou nenhum sentido, tem pelo menos o mérito de não passar despercebida e motivar as mais variadas discussões. Chegada a já esperada hora de cantar em coro e a plenos pulmões, extinguiram-se as já de si ténues fronteiras entre o palco e o público e só não se agarrou aos microfones quem não quis. Parecia o fim, e acabaria bem, mas ainda não.

Conforme se suspeitava, os Linda Martini tinham guardadas algumas surpresas, que só se relacionam com a banda por via do passado musical dos seus membros. Quais fantasias em ebulição, quatro versões de bandas lendárias pelos mais variados motivos foram lançadas para semear o caos, cada uma à sua maneira.Territorial Pissings, dos Nirvana, despoletou a primeira vaga de descontrolo enquanto Scratch the Surface, dos Sick Of It All, falou ao coração dos mais afectos ao hardcore. Foi, no entanto, a versão de Black Flag que deitou finalmente a casa abaixo, com umaDepression curada com tratamento de choque. Em fase descendente e em clima de nostalgia, We’re Gonna Fight, dos 7 Seconds, serviu para queimar as poucas energias que restavam. Um final catártico para uma noite que será, sem dúvida, para mais tarde recordar.