A história de Death From Above 1979 é como a de tantas outras. Um frenesim orgástico espalmado em tiras de roque-enrolegrooves golpeantes como tesouras que esfarrapam lúnulas por amor. Foi assim em “You’re a Woman, I’m A Machine”, esse trapézio com tromba de elefante, que reapresentou a dança dos esquizofrénicos aos bares onde a cerveja é sempre barata. Como se os The Stooges tivessem achado a metempsicose em dois teenagers meio drogados perdidos no frio de Toronto, fazendo de 2004 um 1969 sintetizado a MDMA e num baixo que acreditava que era guitarra. Destruíram garagens, fizeram das caves ninhos de badalhoquice como um enorme banho turco aquecido a amplificadores e tarolas que sangram. Foi um bacanal privado, uma sem-vergonhice punk, que se estendeu para os maiores pavilhões norte-americanos e festivais europeus sem eles sequer entenderem porquê. Aconteceu. Aconteceu aos DFA79 como aconteceu aos Nirvana – o descomprometimento, a rebeldia sempre ali à espreita nos poros capilares, virou profissão, virou rotina. Sebastien Grainger e Jesse Keeler fartaram-se um do outro, entre shots de absinto, linhas de coca e uma estrada que parecia não ter fim. Num dia, estavam em Toronto; no outro, já nem sabia bem… Se calhar Ulan Bator, se calhar Freamunde.

Os Death From Above 1979 perderam o fio à meada. E “Life After Death From Above 1979” retrata-o, como todos os clichés que os documentários musicais nos habituais: as entrevistas aos protagonistas maiores, as perguntas aos sideliners – o chefe daLast Gang, a miúda que lhes vendia o merch, a nostalgia dos bons velhos tempos grafada em gravações amadoras e polaroides de uma juventude enterrada – está tudo ali, bem gravadinho, bem apanhadinho. Mas o documentário de Eva Michon, além de tentar perceber como é que os DFA79, à beira de se tornarem a melhor dose de heroína que a MTV tinha encontrado desde a britpop, deixaram tudo para trás, direcciona o fio condutor para a reunião entre um Grainger falhado a solo e um Keeler a pausar tirantes e bonés de MSTRKRFT. É aí que falha: a construção de “Life After Death From Above 1979” aponta um clímax que não surge. O reencontro estre os canadianos é morno – para não dizer gelado –, típico de dois antigos amigos que pouco têm já em comum. Lá vão recordando esporádicos capítulos de outrora, entre risinhos que a internet por decreto definiria como awkward moments.

Toda a reunião, das metástases ao núcleo, cheira a plástico, cheira a polibutileno de má rés. Se as contas bancárias de Sebastian eJesse ganharam certamente mais uns zeros, o documentário falhou na ambição. Até o Coachella 2011, como simbologia maior de um reencontro bem-sucedido, fica curto. Vemo-los à conversa no backstage com os companheiros de cidade Crystal Castles e com essa divindade auto-proclamada Kanye West; olhamo-los no palco, de franjas pintadas pelo sol californiano, prontos a resgatar o cyber-punk do caixão em três, dois, um… Nada. O concerto arranca, a energia já lá não mora. Um morteiro que não abre cabeças ao meio, um mosquete em tempos de balística transcontinental – assim são os DFA1979 com “The Physical World” às costas. Há coisas que não voltam.