A violoncelista Helena Espvall tardou a entrar em palco, mesmo depois do habitual atraso de trinta minutos – está mesmo pouca gente, o aquário prepara-se para camuflar a ausência com cerca de vinte cadeiras dispostas em frente ao palco. Não demorou muito após as 22h30 para o começo ou, pelo menos, para a entrada em palco da violoncelista, que tardou a tocar. Percebeu-se a razão, que é impoluta: contaminação sonora do solitário instrumento. Só depois de se fechar a porta do aquário se fez ouvir o violoncelo em tristes e rasgadas melodias próprias do seu chorar.
Uma performance hipnotizante que nos faz embrenhar na instrospecção e no repentino acordar, quando Helena Espvall introduz dilacerantes ‘riffs’ em simultâneo com outros em loop, impactando os poucos ocupantes das cadeiras, num epíteto apoteótico de abismo. Após a descarga sentimental e melódica a cargo da violoncelista portuguesa de origem sueca, o ambiente no terraço da ZDB é calmo, poucos grupos, poucas conversas. A malta passou o ‘intervalo’ inteiro, induzida e induzindo em erro para uma suposta entrada, pois Lichens estava já em palco, calmamente a montar o seu equipamento.
Agora, já todas as cadeiras se encontram ocupadas e umas dez pessoas de pé assistem Lichens, revestido em semblante de cirurgião, mexericar no vasto emaranhado de maquinaria e fios. O ambiente vai sendo criado muito gradualmente, o som é tão natural que o facto de este ser criado por meio a maquinaria se torna totalmente anti-natura.
A aura existente é a luz, comparativamente à anterior. Lichensque, enquanto toca nos seus instrumentos, tem a linguagem corporal de engenheiro: ao pegar no microfone, nas suas habituais incursões por ondas sonoras virgens, afigura-se-nos em completo transe, de olhos vítreos que muitas vezes se reviram ao sabor da trip que se faz ouvir. Poder-se-ia até dizer que é angelical o ambiente criado, cântico de uma qualquer religião obscura em que a salvação é garantida e o Deus é Albert Hofmann. No final de uma performance que nos parece bem mais longa do que realmente foi,Lichens levanta-se serenamente, agradece e começa a arrumar a sua bagagem psicadélica para mais uma viagem.