Admito: descobri os Sonic Youth tarde na minha vida. Na altura, aí por volta de 2005, tinham mais anos de banda que eu de vida e muito mais horas de música concebida que eu alguma vez teria tempo para ouvir. Ainda assim, achei que ia a tempo de atravessar, conhecer e digerir todas as facetas daquela que ainda é a melhor banda do mundo. Não fui.
Mas aturei a rebeldia barulhenta típica da juventude, compreendi o doce amadurecimento do tempo e abracei em dois concertos o apogeu mais cool do mundo, livre de manias e tiques que, noutros, seriam vícios de há anos atrás. Só assim consegui perceber que, chegados a 2011, os Sonic Youth podiam parar de fazer música sem vir mal ao mundo por isso.
O legado estava construído, o estatuto cimentado, a criação feita para a posteridade. Não lhes faltava nada. Eram impulsionadores, criadores, magos, reis… Qualquer adjectivo superlativo pode e deve ser utilizado com primor e ao desbarato, sem pensar. Qualquer um continua a ser tão válido agora como em 1992. Os Sonic Youth não pararam de fazer música per se, apenas não estão juntos enquanto grupo. E embora isso seja um rude golpe na parte de mim que se quer agarrar ao passado e sofre de síndrome de Peter Pan, a verdade é que já me conformei com a situação.
Tudo era fácil e doce no mundo deles – e quando não era, eles faziam questão de o mostrar –, por isso porque é que numa semana não hei-de roubar o namorado da minha irmã, matar os meus pais e lançar-me à estrada turbulenta? A música dos Sonic Youth continua a ouvir-se e a ser feita não só por gente que os homenageia (The Men, estou a olhar para vocês), mas acima de tudo naquilo que os seus músicos vão fazendo por aí. Claro que de forma repartida, mas em cada um deles pontifica uma faceta dos Sonic Youth.
Thurston Moore tem de novo 21 anos e parece-se com ele mesmo. Embora a espaços mais ingénuo, entrega-se controladamente a laivos de fúria rasgada como os que ouvimos no Teatro da Trindade. Steve Shelley continua devoto do ritmo exacto e calculado e está a braços com os maquinais The High Confessions. E Lee Ranaldo, paternalmente grisalho, concentra em si a melodia indie que nos últimos anos revestiu os Sonic Youth.
Lembro-me de pensar, ao ouvir The Eternal, que Ranaldo devia cantar mais. E com os diabos se Between The Times and The Tides não confirmou as minhas suspeitas. Ele é capaz de encarnar Neil Young e Bob Dylan sem dificuldades (Fire Island), ele é capaz de construir riffs cambaleantes com direito a passar na rádio (Lost) e é capaz de abrir asas e levantar voo só porque quer e lhe apetece (Hammer Blows).
Aquilo que se ouve aqui é liberdade e leveza de espírito. Arriscamos que, agora, Ranaldo tem tempo e mestria para compor como quer e lhe apetece, sem que daí venha mal ao mundo – tal como com o fim dos Sonic Youth. Dele não esperávamos nada (a discrição sempre foi um bem empossado na banda) e no final acabamos a ganhar tudo. O disco é minucioso e divertido (o calculismo faz mal à música) e no final só nos faz pensar se não deveríamos abordar a vida tal como os Sonic Youth, ainda que separados, continuam a abordar: como eternos jovens despreocupados.