Numa casa composta por um público que partilha algumas afinidades com aquele que viu Lil B estrear-se em Portugal no mesmo palco, pelo menos uma coisa é certa: não havia hipótese de se sentirem defraudados quanto à orientação sexual deste rapper. Sacar I’m Gay, de Lil B, sem olhar para o que está entre parêntesis pode ter sido desgosto para algum público. Em Le1f não. É gay, vem na senda da cena queer rap (se a há), e não deixa espaço para ambiguidades. Nunca. O cabelo à Taribo West versão rosa pintado pela mãe e a linguagem corporal propositadamente excessiva a incorporar clichés do histerismo gay dão a entender um Le1f confortável no que é e no que assume ser em palco.

Abriu as hostes com &Gomorrah dedicada a toda a classe abertamente homofóbica. Juntos os tabus, preconceitos e generalizações que assombram o universo gay e a cultura Hip Hop, Le1f vai-se atirando a cada um à vez. HIV, Don’t Ask Don’t Tell, complacência no uso da palavra faggot e a homofobia na cena Dancehall. Merecem todas menções melhor ou pior rimadas para chegar ao hook e sentenciar “if you still hate, you’re wack, you’re late”. Castigo? Hell, mas principalmente Gomorrah. Reeducação com laivos de tortura.

Pouco depois começa My Oozy com um hook hipnótico e versos rimados a mil à hora, deixando Gifts of Gab ou Twistas para trás numa adaptação de Miuzi Weights a Ton, dos Public Enemy, que se fica pelo título. Porque afinal, oozy e uzi podem ter o mesmo peso mas os PE também rimaram “Man to man / I don’t know if they can / From what I know / The parts don’t fit.”

A julgar pela postura entre músicas, sem ela por trás Le1f é menos expansivo. A amálgama de sintetizadores, drops e filtros imprimem um ritmo intenso à actuação que Le1f multiplica com a energia e panóplia de movimentos que exibe. O portefólio mistura best of da pista de dança gay com o puritanismo adulterado do effacé com que presenteou o público, certamente aprendido quando era bailarino. O magnetismo e imposição do rapper em palco a menos de 20 centímetros da primeira fila (que de resto teve o privilégio de experimentar algum do seu cloreto de sódio) contrastam com a figura repentinamente tímida e afastada que se apodera de Le1f quando o som cessa. Algo que a audiência pode não reparar quando a actuação não é tão física ou intensa mas perfeitamente notório quando o artista rebola, grita e geme enquando o beat ainda mexe.

Para o fim ficou Wut, a música que todos conheciam, a provar que para mais claps, assim como cowbell, se arranja sempre espaço extra. A máscara de Pikachu não deu de si, mas num género dominado por Timberlands amarelas, é refrecante vê-las substituidas por Loubotins, mesmo que apenas nas rimas, porque em palco apresentou-se com Timberlands nos pés. Aparte esse pormenor, parece haver mais História em Le1f e companhia que nos documentos por gravar no Macintosh do Frank Ocean.