Dia 10 de Abril do ano 2010 [Sábado], Manuel Alegre comunicava aos seus apoiantes que iria formalizar a sua candidatura presidencial até ao final de Abril, ouvia na rádio enquanto fazia a viagem de Lisboa para a Invicta ao encontro dos Kylesa e por arrasto, dos Dark Castle. Em espécie de brincadeira, atirava para o ar que uma das armas secretas da campanha de Manuel Alegre seria usar o concerto dos Kylesa para a afirmação da sua candidatura e tentar captar um eleitorado alternativo, pondo assim Cavaco num bom uso finalmente.
Ora, todos sabemos que os cavacos são bons é para arder na lenha. Se expectativas tinha quanto à minha promiscua suposição, rápido vi que tal coisa seria completamente impossível dada a enorme quantidade de Laranja [Orange] presente no palco que iria em breve receber os Kylesa e os Dark Castle. Conhecemos a faceta indecisa de Alegre, ora hoje cheira a Rosa, ora é capaz de lhe cuspir para cima, ou pelo menos fazer que cospe, mas comer salada de frutas com Laranja é episódio de gastroenterite certo.
Mixórdias e palermices à parte, apesar de os Kylesa não gozarem de uma influente popularidade entre uma audiência de amantes do universo metal, punk ou hardcore [as sonoridades mais marcantes da banda de Savannah, Georgia] em Portugal, isto apesar de terem andado acompanhados pelos mais mediáticos Mastodon, o certo é que muito frenesim girou em torno da visita da dita banda Sludge ao Porto e mais concretamente ao Porto-Rio. Para mais, desta vez é que os Kylesa iriam tocar mesmo, depois de uma prevista visita ter sido frustrada há uns meses atrás.
A aclamação de Static Tensions como um dos excelentes registos de 2009, não só das revistas mais específicas mas também de publicações mais generalistas como a Pitchfork, terá a sua quota parte para fazer borbulhar um desejo mais intenso quanto à banda, coisa que talvez não fosse possível nos tempos de Time Will Fuse Its Worth (2006) apesar da qualidade evidente do mesmo. Se motivos de interesse não faltavam, o rumor de um novo registo para breve aumentavam o termómetro da ânsia.
Assim não se estranha que o concerto tenha levado a estampa de Sold Out, e para quem deixou a tarefa de comprar o bilhete mágico para a última hora acabou por ficar, ou em lista de espera e ainda com algumas esperanças, ou a rezar à Nossa Senhora do Rock And Roll para que os Kylesa possam voltar o mais rápido possível. A fila, muito rara por ali, que se desenhou à porta do Porto-Rio é a imagem mais simbólica desta narração e pode expressar um sentimento e desejo partilhado entre aqueles que lá estiveram e os que, apesar de não o terem presenciado, gostariam de lá ter estado.
Foi entre o interstício neutro, mas cheio de Tainhas, proporcionado pelo Rio Douro, a marcar o espaço divisório entre Gaia e o Porto que os Kylesa se apresentaram ao público. Mas antes ainda e a introduzir a banda de Phillip Cope e Laura Pleasants, estavam os Dark Castle, um duo oriundo da Florida, EUA. A Florida não é propriamente um estado que faça pensar em ambientes místicos, mas mais em pântanos e crocodilos, mas pensamentos à parte, a banda potenciou uma grande surpresa para os presentes com uma sonoridade muito coesa e trituradora. Algures entre uns Neurosis e Cult Of Luna acrescentando uma boa dose de psicadelismo,Stevie Floyd (guitarras e vozes) e Rob Shaffer (bateria e vozes) desviaram convincentemente a atenção dos presentes, obviamente pensando em Kylesa, e mergulharam-nos nas suas paisagens profundas e esmagadoras. Isto apesar de um começo atribulado – quando a banda já estava mais que preparada para despejar as suas composições e o DJ teimava em não terminar com a música de fundo que corria, o que provocou alguns olhares estranhos entre os elementos dos Dark Castle, que suponho telepaticamente e em consenso desejassem fazer alguma maldade ao senhor do manípulo. De qualquer modo é de acreditar que a banda se não tinha fãs em Portugal, passou a ter. Pelo menos eu fui fazer download ao seu albúm de 2009, e único até ao momento, Spirited Migration.
Terminada a excelente prestação dos Dark Castle chegava a hora dos esperados e desejados Kylesa. Existe sempre uma grande dificuldade em pôr cá para fora, chamam-lhe exprimir, palavras que possam ser tão categóricas quanto abrangentes em descrever planos, situações, momentos que são intensamente marcantes. Tenho a impressão que se tivesse ido perguntar aos muitos que estiveram Sábado no Porto-Rio uma palavra que pudesse definir todo o concerto, esta seria: BRUTAL!!! Pelo menos, que me lembre, foi a primeira coisa que disse a quem me tinha perguntado, já em Lisboa, como tinha sido o concerto. E repetia várias vezes. Pode ser uma expressão se-calhar um pouco já batida na definição desses tais momentos, mas existe o BRUTAL tal e coiso, e o BRUTAL BRUTALISSIMO, e isso foi o que aconteceu em Kylesa.
Sendo mais específico, poderia dizer que todo o concerto se pautou pelo que se poderia esperar dos Kylesa. Muita intensidade, energia, e a entrega das sonoridades entre o metal, o punk mais acrustalhado e o hardcore num confronto muito directo com o público que se posicionava cara a cara com a banda. Público que por sua vez geometrizou uma luta constante pelo posicionamento na primeira fila, estando numa agitação permanente. Suspeito que ainda hoje possam estar a doer alguns ossos a muita gente dada a ferocidade da luta e intensidade que se viveu cada momento do concerto.
Mesmo as vozes um pouco mal calibradas com o som dos instrumentos, e a corda partida quase no início da actuação não tiveram qualquer influência negativa numa prestação que focou essencialmente o registo Static Tensions, deixando apenas vagas para Hollow Severer de Time Will Fuse Its Worth e Where The Horizon Unfolds do mesmo álbum, esta já no único encore. Para prémio final, ou pôr as coisas deste modo é um exagero, ficou o convívio da banda com os presentes no final, o que tornou a noite ainda mais especial ou não rotineira. E já agora, ainda alguém há-de dizer quantos pediram a Laura em casamento e qual foi a forma mais original de fazer o pedido.
Se Lisboa anda a tentar roubar o Red Bull Air Race ao Porto, pois agora roam-se de inveja organizadores de eventos de Lisboa, Kylesa foi no Porto e Lisboa ficou a ver navios literalmente. Neste aspecto dar a palmadinha nas costas à Amplificasom pelo esforço de trazer a única, e até agora primeira data, dos Kylesa a Portugal. Quanto ao Manuel Alegre, não liguem, existem coisas mais Nobre…