Ao seu quarto trabalho, segundo disco pela Matador, Kurt Vile parece ter reencontrado as verdades de uma América profunda, embrenhada na máxima do “Pão, Paz, Povo e Liberdade” – desculpem lá, politiqueiros do contemporâneo. É que, em Smoke Ring for My Halo, vemos um homem engagé com o seu tempo, de pés no chão (povo) e em plena calmaria (paz), a redescobrir-se ao mesmo tempo (liberdade). O pão? Bem, o que é a música senão alimento para o nosso cérebro?
Smoke Ring for My Halo é um trabalho coeso e constante, sem grandes sobressaltos, mas, ao mesmo tempo, é capaz de ser o LP mais bem-conseguido de Vile. A guitarra é, claro, o pano de fundo, porém não está sozinha: as teclas ocasionais e um baixo mais saliente aqui e ali compõem um cenário prolífico em ideias. E, falando em ideias, dá a sensação que este singer-songwriter de Filadélfia passou uns tempinhos ali pelo Texas, a julgar pelas influências.
A primeira de dez canções chama-se Baby’s Arms e mostra que Kurt é um tipo devoto à família, como bom americano que é. Com o seu sotaque marcado, guia-nos numa simpática ode às crianças e à voz esforçada. Quase como se estivesse a cantar aos nossos bebés, a sua voz é delico-doce, só que, pelo contrário, não nos dá vontade de dormir. Pode-nos apetecer preguiçar, mas é o ideal para relaxarmos depois de um longo dia de trabalho. Com as palavras “I pack my suitcase and you’re already gone”, inicia-se Jesus Fever, uma canção que passa o descrédito à religião e que, ainda assim, consegue lembrar aqueles dias soalheiros, em que pegamos num descapotável e, com pézinhos ao calor e com a brisa pelo corpo, nos aventuramos por uma estrada fora. Acima de tudo, é um feel good theme, de guitarra acústica em riste.
Puppet To The Man e On Tour revelam-nos o outro lado de Kurt, com mais distorção, mais reverb e mais sujeira. Todavia, e apesar de alguma áura mais cinzenta, é impossível esquecermos o homem doce que já se mostrou, por isso anuímos ao seu lado mais selvagem, como se fosse as horas livres de revolta de uma figura fraterna que decidiu, por um acaso, dedicar-se à música.
Quase épico, quase anacrónico, o início de Society Is My Friend traz-nos à memória o passado em jeito de post-punk, em que Vile tem a capacidade de mesmo em crítica, mesmo triste, não nos arrastar para um melancolia brutal. Nas guitarras de Runner Ups, reconhecemos uns toques já trazidos por Belle & Sebastian e a folk negra de uns Wovenhand, com o cariz muito próprio, quase country, do autor. Aliás, esta é uma característica de todo o disco que, mesmo se tornando repetitivo em alguns sítios, como em In My Time, nem por isso se torna menos belo.
Peeping Tomboy, Ghost Town e um tema homónimo encerram Smoke Ring for My Halo, que se revela, desta forma, um sério candidato a figurar nas listas de melhores do ano. Kurt Vile é um homem de muitas palavras e de verdades insofismáveis, como depreendemos pelas suas ricas letras, e esse factor reflecte-se num dos maiores pormenores do disco: o homem versus a realidade. Às vezes, é melhor ser o sonho a comandar a vida, mas, se a vida for comandada por Vile, podemos estar mais descansados – tudo há-de correr melhor.