Anteontem foi lançado o novo álbum dos CunninLyinguists. E eu ainda nem sequer me dei ao trabalho de o consultar. Ainda estou demasiado preso a este Death Is Silent, o primeiro trabalho em nome próprio de Kno, produtor e rapper do trio americano.

Não há nenhum ponto de contacto entre este álbum e o que por aí se faz no mundo mainstream do hip-hop. Kno assumiu uma composição musical claramente virada para um tom soturno, sem espaço para futilidades, com beats lentos, melancólicos, que são ornamentados pelo flow de rappers como Natti Deacon the Villain (os outros dois membros dos CunninLyinguistsTonedeff ouTunji .

Mas não é tudo. Kno destaca-se essencialmente por ser um produtor sobredotado. E não há duvida de que se há alguém que sabe esculpir um som de hip-hop é ele. If You Cry, o primeiro grande momento do álbum, apresenta-se como premissa e conclusão disso mesmo: os samples vocais perfeitamente coerentes com a temática do disco, os samples ecoantes de saxofone , os numerosos layers (alguns imperceptíveis à primeira audição) e um groove quase trip-hop constituem uma composição próxima do nirvana musical.
Já Loneliness atira-nos para uma Caved In ou uma Beautiful Girl de CunninLyinguists, ou não tivesse ela um refrão a fazer lembrar os tempos de ouro do soul, com reminiscências a um Bill Withers ou a um Al Green.

Rhythm of the Rain e Spread Your Wings, colocadas a meio do disco, são dois pináculos bem ilustrativos da excelência deste álbum. Com letras viradas para questões existencialistas, quase como se estivéssemos a ouvir Albert Camus a destilar considerações sobre o sentido da vida, Thee Tom HardyTunji e Deacon the Villain jogam eficazmente com as palavras sobre um par de instrumentais onde se consegue inserir, por exemplo, uma guitarra acústica. Não há nada que não caiba dentro dos parâmetros estabelecidos por Kno. Mas, repito: há uma clara preocupação com a coerência sonora e lírica.

Até porque este álbum aborda o facto de a vida ser curta e o facto de tantas vezes desejarmos a morte sem nos apercebermos do que realmente isso significa. Nenhum dos rappers nos dá como solução o desaparecimento terreno, até porque nenhum deles acredita que haja algo para o lado de lá. A mensagem é outra, e quem já ouviu uma No Hope, feita por Kno e Tonedeff à parte deste disco, entende-a bem: até quando a esperança é mínima ou inexistente, importa relembrar a convicção do nosso primeiro passo.

O álbum continua a rodar de forma descomplexada, havendo espaço, obviamente, para Smile, um instrumental jazzy, tão característico de Excrementals – compilações de beats criados por Kno. O próprio Tonedeff dá voz a I Wish I Was Dead, a letra mais nihilista de todo o disco, soando quase a um afogamento prolongado, exaustivo e doloroso, num mar impoluto e demente. They Told Me é outro momento brilhante, onde uma guitarra em delay se embrulha com mais um beat bem chill out, construindo uma atmosfera enevoada mas sempre detentora de uma porta aberta para a esperança.

E se dúvidas existiam, elas ficam dissipadas com The New Day (Death Has No Meaning), um instrumental virado para uma escala oriental: A vida é para se viver, faz o melhor que podes.