Ainda a porta do Aquário não tinha aberto,  já os sofás serviam de abrigo para o frio que fazia lá fora. A banda estava no terraço em modo preparação para o concerto, com uma postura rígida e séria, não destoando da nossa ideia ocidental sobre os japoneses.

De surpresa, um triunfal improviso serviu como mote de aquecimento em que o baterista e baixista inverteram os seus papeis.  “Smoke and Mirrors”, já com a formação alinhada nos seus lugares de origem, transforma-se no impulso essencial para que o público comece a dar os primeiros sinais de vida. E é a partir daí que a ZDB ganha o flow necessário para acompanhar Kikagaku na jornada psicadélica.

No palco, estavam presentes a calça à boca de sino, o lenço na testa, camisas estampadas e com padrões, sapatos de plataforma ou descalços – tudo o que um guarda-roupa tipicamente 70s assim o exige. A viagem, essa, segue para “Kodama”,  “Streets of Calcutta”, “Hem” e “Tree Smoke”, pairando uma envolvência inebriante e frenética. Por momentos, numa dança em homenagem a Shiva ou Vishnu, somos colocados na Rota da Seda pela poética cítara que acompanha as guitarras.

Após o apogeu, segue-se o relaxamento e a descompressão das emoções libertadas com “Semicircle”, “Dawn” e “White Moo”. E, de repente, a sensação que temos é exactamente a mesma à de fumarmos um charro.O tempo, nestes momentos, é específico e singular para cada. Mas, quando damos por ele, já estamos com uma hora e meia daquela simbiose explosiva que não queremos que acabe.

Quebrando os estereótipos, os Kikagaku Moyo, provenientes de uma cultura tão austera e de expressões faciais seráficas, romperam parte dessas barreiras com tímidas saudações e francos sorrisos. No início, durante e num fim de concerto que ninguém queria que chegasse.