A bela bofetada, por vezes, faz-se necessária. Enquanto as correctas politiquices ocultam as humanas imperfeições, osKickback escarram-nos a perpétua hipocrisia, o vingativo escárnio e a inevitável maledicência. A República da Música, de palco puxado ao meio, responde à inaugural Sorption com a fundamental violência. Stephen Bessac, embebido na alienação, sorri.

As saudades, impostas pela década de ausência, são trituradas a cada dissonante acorde e a cada rasgado berro. Corpos rodopiam, corpos chocam; perdem as estribeiras quando o final de No Surrender clama pela ausência de remorsos e testam limites quando Will To Power descarrila – o verso “Let this second coming be the death of you all” decreta a podridão sob lei marcial, sem paciência para desertores. Há quem beije o cimento, há quem cumprimente as paredes aos biqueiros; vinte e dois anos depois, os Kickback não dão motivos para braços cruzados. Duas décadas de “riding the tiger”, como diz Bessac, antes de Cavalcare La Tigre emergir. O parisiense elogia Alvalade: “Normalmente, não queremos saber da plateia. Os nossos concertos têm por hábito ser negros, mas hoje a noite está vermelha. Há aqui muita gente da velha guarda”.

A ela, à turba old school, Heaven and Hell é ouro sobre azul – o melódico riff inicial, esculpido a partir da cartilha Slayer, é usado como cântico de uma guerra anunciada. Nova sova, nova furibunda descarga, grifando a suor os sessenta minutos de actuação. Hardcore dopado a metal, sem adornos. Um murro nos dentes. Duro.

Num serão onde os Steal Your Crown cancelaram a sua presença, coube aos Lifedeceiver alumiar terreno. Munido de um guitarrista norueguês, e de line-up transfigurado, o agora quinteto desvendou parte daquilo que em estúdio tem forjado: malhas mais extensas, robustecidas por transições atmosféricas e detalhes black metal. As negativas frequências, pegando no lema dos Kickback, mantêm-se e é com expectativa que se aguarda o primeiro álbum. De Loures, os Overcome trouxeram atitude SPOC e metáforas sui-generis – o hardcore é tocha olímpica e o NYHC à la margem norte, vincado pelos portugueses, proporcionou até um momento “núcleo duro” na República da Música: Ricardo, ex-vocalista de Omited GR, foi até ao palco para gritar um tema.