Uma crise de meia-idade de pernas para o ar – assim podemos descrever o processo biográfico dos KEN mode, que teima em contrastar com a linearidade habitual de uma banda. O que leva um grupo a atingir o seu pináculo criativo não no primeiro ou terceiro álbuns, mas sim no quarto e no quinto, já com dez aninhos de carreira na corcunda? A tal crise de meia-idade, que chegou mais cedo a Jesse Matthewson, o motor de cinco cilindros desta banda. Se tantas vezes é a cólera imberbe que desperta riffs de três acordes e uma letra em que se manda tudo para a senhora meretriz que o pariu, com os KEN mode o processo funciona de maneira diferente: a raiva dos trinta é transcrita em intricadas composições, que, após o magnânimo Venerable (2011), parecem ter ganho massa muscular.

Aquilo que Entrench nos atira à cara é uma vil demonstração de que o legado dos Botch não jaz em eterno descanso com We Are The Romans. Se em Venerable, álbum que atirou em definitivo osKEN mode para o “estrelato” (às tantas, podemos tirar as aspas, já que o disco lhes valeu o prémio canadiano Juno para a música pesada, batendo o Devin Townsend), sentimos o noise rock dosUnsane e o demencial espectro dos Today Is The Day, com este registo a banda sobe uns degraus na pirâmide do peso e deixa a céu aberto a sua inspiração no hardcore. Nem é preciso aguardar por esta conclusão: Counter Culture Complex mostra um riff a galope que mais “botchiano” não poderia ser (já agora, o Dave Verellen berra em The Promises of God); No – I’m In Control visita as subterrâneas galerias dos Breather Resist com uma recta final asfixiante; e Your Heartwarming Makes Me Sick despede-se através de uma parte mosh digna de despertar uns side to sides e abrir uns quantos lábios.

O curioso é que não é por abraçarem esse legado metalcore de virar de milénio que os KEN mode perdem o seu norte. Aquela dissonância tão característica do noise jamais se perde – e mesmo que a guitarra de Matthewson quisesse ziguezaguear na simplicidade dos breakdowns hardcore, estava lá o baixo deslavado para a fazer submergir de novo nas turbulentas águas do math. Malhas como Why Don’t You Just Quit ou Secret Vasectomy (caramba, há cada título neste disco) são descaradas provas de que podemos respirar fundo; o Jesse ainda tem uma epopeia de riffs para escrever. E quando estes canadianos abrandam, abrandam tão bem: Romeo Must Never Know é uma belíssima ode aos capítulos erguidos sob o prefixo “post”, capaz de a espaços recordar esse monumento que é Temple of the Morning Star dos já referenciados Today Is The Day. Com uma vantagem: esta dura sete minutos. Aprende, Steve Austin.

A despedida, quarenta minutos de as nossas pupilas dilatarem comCounter Culture Complex, é também ela um copo de água com açúcar para ver se nos acalmamos. Monomyth entrega-se de alma posta somente na guitarra e nas ecoantes palavras deMatthewson, que, a pouco e pouco, se desfazem numa melancólica orquestração final urdida a violinos, piano e violoncelos.

Que continues em fúria, Jesse.