Noite mágica, a que se viveu numa ZDB cheia ou muito lá perto. Sons vindos do céu, trazidos até nós por Julianna Barwick, que se já em disco arrepiava (The Magic Place é absolutamente lindíssimo), ao vivo simplesmente arrebata. Voz por cima de voz, camada por cima de camada, um rio de sons que flui e eleva o espectador. De facto, mais ninguém faz música assim.

A noite começou logo da melhor forma com Pedro Magina, conhecido apenas pelo seu apelido, vocalista dos Aquaparque que veio à galeria de Lisboa com a sua t-shirt dos Gala Drop (pequeno pormenor que mostra o bonito companheirismo existente entre estas bandas do mesmo género) apresentar o seu projecto a solo. Música ambiente feita com dois sintetizadores em palco, envolvente e hipnotizante, reveladora de um talento em criar ritmos livres por vezes sem estrutura definida, mas sempre com melodias que facilmente conquistam. Consegue criar um tom calmo, transportador, com cada música a fazer ligação à seguinte (não existiu um único momento de silêncio), sempre sem palavras e com olhar nas teclas. O público, em silêncio e com calmos aplausos no final de cada música, parecia conquistado e embalado perante o que se ouvia, com as melodias mais energéticas a chegar mais perto do final, mas sempre com aquele tom envolvente e melódico que fez com que tudo resultasse tão bem (ocasionalmente lembra um Oneohtrix Point Never sem voz e sempre com menos potência). Se os Aquaparque se começam a tornar hoje em dia num nome de referência por cá dentro do seu género, Magina assume-se também como um projecto a acompanhar de muito, muito perto. Quarenta e cinco minutos de pura viagem sonora.

E pouco depois, entra a dona da noite. Sozinha, apenas com um pequeno suporte para alguns pedais, um pequeno mixing board e um microfone, Julianna Barwick entrou sorridente, de ar tímido e encantador, e a meio da primeira canção já parecia que o tempo (a vida) tinha parado. Canta segurando o microfone com a mão esquerda, enquanto vai criando e manipulando os efeitos com a direita, sempre sem falhas. Desafina um pouco ao fim da primeira música, e afasta a cara do microfone com uma pequena risada envergonhada enquanto pede desculpa. Com tamanho carisma e inocência, tal pequena falha perdoa-se facilmente. Principalmente quando todo o espectáculo que se seguiu foi, simplesmente, sem falhas.

Parte do público está de pé, parte está sentado. Alguns em redor do palco, outros neste, de pernas cruzadas. Todos com um sorriso e aplausos no final de cada canção, todos com corpo a abanar ligeiramente, frequentemente de olhos fechados. Barwick canta de olhos fechados, microfone perto dos lábios, com ar de quem vive as palavras que lhe saem da boca. Sorri no final de cada canção, agradecendo os aplausos, percorrendo com um longo olhar o público que a observa. Imediatamente perto do início, diz que adora Lisboa. Já perto do fim, repete o mesmo. “A sério, adoro mesmo Lisboa. Estava ansiosa por aqui voltar, a sério que estava”. Não precisava de o dizer, o seu sorriso já o tinha anunciado.

A fórmula das suas canções é, basicamente, sempre a mesma, mas sem repetitividade. O que interessa é a voz; aquela voz. Ouvimo-la em reverb, em loop ou em sample, multiplicada primeiro por dez, depois por mil. Camadas em cima de camadas, que se vão acrescentando gradualmente ao longo da canção, juntamente com alguns sons de piano e uma ou outra batida; menos efeitos que em disco, mas todo o essencial está lá, e o facto de a voz ganhar ainda mais destaque acaba por dar ainda mais impacto às canções. É como nada mais nada menos que um coro de dezenas e dezenas de anjos a cantar, cada grupo entoando diferentes melodias que se complementam. A certa altura, o espectador dá por si no meio de um verdadeiro mar de som, tão belo e etéreo que chega a ser surreal.

De alguma forma, Barwick consegue evitar a repetitivade, mesmo usando sempre aquela mesma fórmula. Controlo absoluto do que se faz, portanto. O concerto foi perfeitamente consistente do início ao fim, nunca perdendo a atenção do espectador (efectivamente, o silêncio que se ouvia na sala, tão necessário num concerto assim, era o de um público devoto e conquistado), que é simplesmente hipnotizado e elevado do início ao fim. Atrás de si, a sua sombra reflecte-se na parede, abanando-se de forma gentil e lenta enquanto canta. Lá fora, do outro lado daquela janela que tão bem está ao lado do palco, a noite é escura e as pessoas passam rapidamente. Lá dentro, o tempo (a vida) parou.

Envelop, canção de The Magic Place, foi sem dúvida um dos momentos altos, tal como Prizewinning, tocada não muito longe do início do concerto. Cloudbank, do EP Florine, foi simplesmente arrepiante, mostrando bem todo o poder tanto da voz de Barwick quanto da forma como esta a molda através dos seus pedais e efeitos, que nessa canção cria nada mais nada menos que gritos celestes. Não existiram momentos baixos, com cada canção a manter ou a superar a qualidade da que a precedeu, sempre entregue com perfeição absoluta por parte daquela encantadora jovem rapariga que ali estava em palco, próxima de nós de uma forma que só uma sala como a da ZDB permite. Cerca de uma hora de um pedaço de beleza arrebatadora e etérea, transcencente tal como seria de esperar para quem ouvi os álbuns.

Concerto absolutamente magnífico, numa noite que certamente ficará na memória dos que estiveram presentes. Se o que Julianna Barwick faz em disco é diferente de tudo o que os outros fazem, ao vivo ainda mais diferente e único é. Se o céu cantasse, se das nuvens brancas saíssem sons, se do límpido azul se ouvissem melodias… sim, provavelmente seria algo assim, tão belo e perfeito. Concerto por vezes algo emotivo até, dada a pureza daquilo que se ouvia. Julianna Barwick veio à ZDB e arrebatou, elevando os espectadores a um local que não o terreno como apenas ela consegue fazer. Agora, resta esperar que regresse… caso contrário, a viagem não se voltará a repetir, já que só ela sabe o caminho. Afinal de contas, foi simplesmente um concerto belo demais para pertencer a este mundo.