Quando estalou audívelmente War Pigs de Black Sabbath no sistema de som do Pavilhão Atlântico, anunciado que viria aí a atracção principal da noite, poder-se-ia rapidamente chegar a uma conclusão arrepiante: os Judas Priest são contemporâneos da banda de Masters of Reality – são, inclusive, da mesma cidade, Birmingham, pródiga em ser mãe de inúmeros projectos históricos.

O que mais arrepiante se tornou, ao longo das mais de duas horas de concerto, foi perceber que Judas Priest parece ter quebrado, pelo menos durante uma noite, a barreira do tempo, que tantas vezes traz consigo às costas a decadência, a falta de ímpeto e a perda de alma.

Muito se tem especulado se esta Epitaph Tour será realmente a última dos britânicos. Eles, desmentindo os rumores que apontavam para o fim da banda (rumores que aumentaram de intensidade com a saída de K. K. Downing, o guitarrista que fez dupla com Glenn Tipton durante mais de quarenta anos e que foi substituído exemplarmente pelo jovem Richie Faulkner), disseram somente que esta seria a última digressão mundial e que ainda há mais um álbum nos planos para ser lançado.

Usando a lógica como instrumento, a verdade é que esta poderá ter sido muito bem a última vez que uma das mais imponentes bandas do movimento de New Wave of British Heavy Metal passou por Portugal. E, olhando de relance para a plateia, não deixou de ficar um amargo de boca: o Pavilhão Atlântico foi grande em demasia para os que se deslocaram até lá. Com uma plateia a meio gás, um balcão 1 com uma centena de pessoas e um balcão 2 fechado, este concerto poderia ter sido perfeitamente colocado no Coliseu dos Recreios, por exemplo.

Pouco importados com isso, os Judas Priest deram aquilo a que podemos designar pelo verdadeiro concerto clássico. Munindo-se de uma parafernália de ornamentos visuais – chamas, projector de vídeo, lasers e fumo -, os cinco músicos brindaram o público português com uma retrospectiva de toda a carreira, abrindo de imediato com Rapid Fire de British Steel. Olhando para o setlist, apenas dois dos dezasseis álbuns do legado dos ingleses não foram revisitados – os dois álbuns com Ripper Owens na voz. Até o velhinho Rocka Rolla, lançado em 1974, teve direito a ser lembrado com Never Satisfied.

E não foi só isso. Por entre clássicos como Metal Gods ou Night Crawler, os Judas Priest fizeram questão de homenagear, como é habitual nos concertos do grupo, algumas das suas referências. Diamonds & Rust de Joan Baez foi emotivamente recebida e The Green Manalishi de Peter Green dos Fleetwood Mac mostrou que Rob Halford, a um mês de completar sessenta anos, continua com uma voz impecável e portentosa, capaz de arrancar ditongos de surpresa dos presentes.

Para o final, claro está, um desfilar de clássicos. Breaking The Law não precisou de ser sequer cantada pelo vocalista britânico: o público encarregou-se disso; e o mesmo teria acontecido em Painkiller, se Halford quisesse. Hell Bent For Leather marcou outro ponto clássico num concerto de Judas Priest, com o “Metal God” a entrar em palco numa bela Harley Davidson, obrigando logo de seguida a plateia a entoar You’ve Got Another Thing Comin’, que parecia ter colocado um ponto final no concerto. Errado. Living After Midnight, com Halford a passear pelo palco com a bandeira portuguesa às costas, fechou, ela sim, uma performance de alto calibre, capaz de embaraçar não só imensas bandas mais jovens que por aí andam, mas os próprios Judas Priest que também pelo Pavilhão Atlântico passaram em 2009 – aí, aquilo a que se assistiu, foi a uma demonstração desinspirada, com um Rob Halford em dificuldades vocais. Até o som do Atlântico, normalmente um quebra-cabeças para qualquer banda que por lá passe, esteve em claro plano positivo ontem à noite.

A abrir estiveram os Queensrÿche. Também eles uma banda clássica, sofreram, ainda assim, com alguma indiferença do público. É que, durante os meses que antecederam este evento, muito se especulou sobre as bandas de abertura. Motörhead e Saxon foram apontadas a Lisboa, mas, no fim de contas, ficaram-se por Espanha, o que decerto terá provocado desânimo a quem esperava por Lemmy no Pavilhão Atlântico. Numa actuação que terá deixado poucas memórias nos presentes, os Queensrÿche cumpriram calendário com os seus temas mais reconhecidos, como Eyes of a Stranger, cantada por um Geoff Tate em modo Joe Biden: o vocalista fez questão de dizer que estavam pela primeira vez em Portugal quando, na verdade, passaram pelo Porto em 2008.