Não conheço nenhuma expressão portuguesa equivalente a “truth is stranger than fiction”. É algo muito americano de se dizer, e uma forma perfeita para definir a história deste texano de 38 anos – se existe vida que mais parece tirada das páginas de um livro ou das bobinas de um western é a de Josh T Pearson, com os seus amores e desamores, exílios auto-impostos e fé que varia consoante as garrafas de whiskey se esvaziam. O regresso de Pearson aos discos, exactamente 10 anos depois do lançamento do fabuloso The Texas-Jerusalem Crossroads, é uma dessas odisseias tão incríveis quanto possível, com um arco de desenvolvimento de personagem tão definido que nem parece real, mas sim ficção: um argumento perdido de um western em formato sports movie, ou de um sports movie em formato western, que nunca saiu da gaveta do guionista, com medo de que as pessoas não o achassem verosímil. Pois bem, esse homem, esse fantasma do country – sim, country; chamem-lhe a desconstrução do country ou o que quiserem, mas esconder o termo atrás da tag ‘folk’ faz-me uma certa confusão, já que, afinal, são por esses terrenos áridos com bafo a whiskey que Pearson se move – voltou a Lisboa na passada sexta-feira para apresentar novamente Last of the Country Gentlemen. Para quem não ouviu, uma palavra só: ouça.

O concerto começa com Sweetheart I Ain’t Your Christ, talvez a mais conhecida. Filho de um pastor sulista, que desde cedo impôs em Josh uma educação religiosa muito fechada, a carreira do músico deve muito à ideia dessa fé imposta e da consequente desilusão, o desapontamento que ela implica. Tal como no concerto em Dezembro, o texano voltou a intercalar as suas longas faixas com piadas foleiras. É algo maravilhoso de se ver: um homem sozinho em palco com a sua guitarra, que, depois de uma faixa miserável que dura mais de 10 minutos, tem a força de contar umas piadolas sobre bicos. E foder cabras. Parece que no Texas só se fazem duas coisas: tocar guitarra e/ou foder cabras. E, disse ele numa entrevista, que se não fossem as piadolas e as risadas embaraçadas, havia choro. Não duvidamos.

Pearson improvisa, acrescenta melodias na guitarra, altera ligeiramente as entoações vocais, aqui e ali (em Sweetheart I Ain’t Your Christ saltou inclusivamente um verso inteiro, o que o deixou visivelmente chateado, apenas para o tocar de forma intensa no final, antes do encore) e resulta sempre. Do seu disco de estreia a solo, só faltaram a curtinha Drive Her Out e a épica Honeymoon’s Great! Wish You Were Her. Ao ouvir a letra desta última, percebe-se porque razão é tantas vezes deixada de fora das setlists. Mais para o fim, quando o músico solta um “we tell jokes to deal with the pain” entre gargalhadas roucas (e o homem tem um riso contagiante, talvez por não esperarmos, de todo, ver um homem que escreve o que ele escreve e que se parece como ele parece a rir com vontade), sabe o tamanho da banalidade que está a dizer, mas também sabe que é verdade, e as gargalhadas prosseguem, novamente.

A noite de sexta-feira é sempre uma noite que se imagina partilhada com estranhos suados em espaços escuros. Um concerto de Josh T Pearson é o exacto oposto: intimista, tanto quanto o enorme palco do Maria Matos permite, pautado com uma estranha familiaridade, como se o músico conhecesse cada um dos 200 ou 300 presentes, o que ajuda o sentimento final… uma especie de redenção colectiva que culminou com Said the Singer to the Crowd.

No último verso de Thou Art Loosed , Josh canta “Cause I’m off to save the world/At least I can hope”. Estas faixas e este homem “salvam” o mundo todas as noites, 200 ou 300 pessoas de cada vez.