Quando todos os dias nos confrontamos com notícias calamitosas acerca do rumo que toma o nosso país, ninguém melhor queJosephine Foster para nos brindar com bondade, e, acima de tudo, esperança. A americana e a sua banda apresentaram um espectáculo centrado na generosidade musical e, essencialmente, numa pureza pouco comum.
Apoiada pelo seu companheiro Victor Herrero na guitarra, mas também por Paz Lenchantin no baixo e violino e Lorena Alvarez na percussão, aquilo que maioritariamente se destacou foi a capacidade vocal de Josephine Foster. Um timbre calmo e pacífico, extremamente conciliador e comovente.
Ao longo de toda a actuação percebe-se que os ensinamentos de Ópera ainda estão bem presentes. Sente-se a capacidade para alcançar determinadas notas em que a colocação vocal surge completamente enquadrada nessa categoria. Assim, impregna elementos folk com essas componentes e tons mais agudos.
De pé, perna curvada a servir de apoio à guitarra acústica, apresenta-se envergonhada, como a própria admite por ser o primeiro concerto da digressão, mas também com suficiente descontracção para encarar com facilidade alguns contratempos. De facto, o pouco público presente só teve a ganhar com esta fórmula, tal como se sucedeu quando Victor necessitou de afinar a sua guitarra e Josephine, a par de Paz, improvisaram e tocaram um tema não previsto.
Há que admitir, a música do colorado tem uma componente dissonante de tudo o resto. Aqui os instrumentos servem muitas vezes de acompanhamento a uma performance extremamente panorâmica, nomeadamente pelo facto de a americana se encontrar a viver actualmente em Espanha. Os seus sons são viajantes, tal como ela. Sente-se o toque em diferentes pólos, desde um sentido em que se denota a sua americanidade, quando se imaginam as suas composições em modo western, até pitadas de um som que poderia ser originário de alguns países sul-americanos.
Servindo como pretexto para apresentar o mais recente disco de originais, Blood Rushing, o concerto percorreu-o imaculadamente na íntegra. Imaculado foi também cada minuto, quase exclusivamente em modo acústico, essencialmente suave, pacífico e calmo, com a excepção dos momentos em que Victorincorporava a sua guitarra eléctrica. Tudo certo no seu tempo e espaço, mas não deixou de se sentir a necessidade de algo diferente para além de toda esta ternura. E Josephine Fosterpareceu pressenti-lo: Geyser, com a banda a um ritmo diferente, e mais acelerado, surge no momento exacto.
Para o encore estava reservado um momento singular. Com as velas que pousavam nas mesas espalhadas pelo B.Leza a assegurar a iluminação da sala, os quatro elementos sentaram-se à volta de um único tambor para acompanhar com batidas a entoação de algo que poderia ser definido como religioso. Sem microfone, a voz de Josephine Foster arrepia, embala e sossega.
A contrastar com as águas pouco límpidas do Tejo e com o temporal que ocorria no exterior do espaço, Josephine foi de uma enorme transparência, e, através de uma reconhecida predilecção pelas estrelas que se encontram obscuras nos céus, é para um local bondoso que nos transporta com a sua leveza. Por fim, testemunha-se aquilo que ela tanto pretende: ser mais que uma cantautora.