Nós não conseguimos apagar de onde vimos. Mesmo que nos esforcemos, mesmo que retiremos tatuagens, mesmo que queimemos a pele. Mas, Joan As Police Woman – ou, para os amigos, Joan Wasser – nem o tenta fazer. Apesar de misturar tantas influências, tantos outros passados e tantas outras vozes, Joan não se escapa à sua identidade norte-americana, que está lá, intrínseca.
Num concerto de meios termos, a começar pela sala de espectáculos – pela primeira vez, que eu tivesse visto, havia cadeiras na sala 1 do Hard Club, o que resultou num limbo entre o intimismo e o selvagem (é complicado ficarmos sentados sem nos mexer num concerto desta singer-songwriter) -, Joan Wasser entrou em palco vestida de negro dos pés à cabeça e com uma cerveja na mão, qual verdadeira diva. Perante uma sala bem composta, Joan mostrou-se comunicativa, descontraída e bem-disposta.
Antes de prosseguirmos, convém salientar a persona: Joan As Police Woman é uma homenagem, daquelas sentidas, à sensualidade, com as suas poses e danças lascivas, a sua voz meia rouca, crua, verdadeira e despindo-se em palco, conforme o concerto vai progredindo. Já não se fazem muitos artistas assim, com a capacidade de nos enlevarem e com a coragem de saltitarem em palco entre teclados, guitarras, mantendo, sempre, aquele ar de “eu estou aqui a curtir à brava, e vocês?”.
Joan tem, então, um flow muito próprio, que em muito se deve à sua panóplia de influências, que vai desde o jazz, o rock e muito, cada vez mais, a estender-se para o r’n’b, a soul e o gospel de Ray Charles, conforme confessou, em entrevista, ao PA. Esta emotividade que transmite, quase agressiva mormente, permite a quem está num concerto alhear-se e focar-se quase unicamente em Joan, o fogo – mesmo apesar desta ter vindo acompanhada por Parker na bateria e por Tyler nos teclados e baixo.
Em cheque, nesta mini-digressão, está The Deep Field, o seu mais recente disco. Não é de estranhar, por isso, que o público reaja bem aos avanços do novo álbum, como se viu pela envolvência criada por The Magic, o primeiro single. Contudo, é na ida aos clássicos que Joan cai na plena graça da sua audiência: Save Me é tirada a ferro e suor, muito funky, por este animal de palco. Contudo, se a voz faz muito sozinha, nada se perde a nível instrumental – o reverb fala com a cantautora, entendem-se na perfeição de uma duradoura relação. Entre melancolia e bons avanços rítmicos a ilustrá-la, há espaço para sintetizadores, teclados e guitarras sujas, em ode à versatilidade.
Declarando-se ao Porto e à cidade invicta, Joan levou-nos em quase 90 minutos de expressividade e muita, muita musicalidade. Concertos destes não se vêem todos os dias. E ainda bem, porque, dessa forma, aprendemos a valorar o que realmente vale a pena.
A abrir a noite, esteve Nicole Eitner, uma senhora a ter em conta. Não obstante de evitar grandes riscos, numa área segura e com uma forma já vencedora, esta Fiona Apple portuguesa mostrou-nos uma pop no feminino, banhada a magistralidade vocal, em pouco menos de meia-hora.