Olhou-se para esta imensa massa de culto e pensou-se no porquê, de apenas ao fim de 900 anos se ter, finalmente, dado uso à mesma para um concerto que fuja à simples tentativa de evangelização. Nils Frahm teve a honra de ser o primeiro a conseguir tão difícil façanha. Como tal, se inúmeras vezes perscrutamos dizer ao frequentador típico destes locais que tudo provem de um chamamento, ouvindo aquilo que o alemão nos trouxe – praticamente centrado-se em “Spaces” – não se pode pensar que, mesmo que o exuberante treino esteja presente naquelas mãos, a grande premissa muito lhe surge pela vocação nata que dispõe.
Se nos momentos que antecederam a sua aparição causou alguma estranheza a pouco uniforme colocação dos seus quatro instrumentos de teclas, assim que incorreu em “An Aborted Beginning” se percebeu a imensa importância que as transições que fez entre os pianos e os dois órgãos são os genes da sua música. No fundo, absorvendo a experiência que desenvolveu com a incorporação clássica ou erudita em “Said And Done”, mas também a sua aproximação à experimentação e à electrónica de “Says”, com aquele mansinho sonoro para uma explosão final de emoção e beleza.
Mesmo que o seu novo disco, “Spaces”, seja fruto de uma grande dose de improviso e inspiração momentânea da sua presença em palco, todos os temas que tocou na Sé acabaram por assumir uma nova história. Se na gravação ouvimos alguns sons produzidos pelos espectadores, também aqui essas fontes exteriores interferiram e, tal como Nils explicou, fazem com que cada concerto seja único, quase como se ao registo fosse dado um constante nascimento. Talvez por isso se tenha justificado a simpatia com que reagiu aos toques de telemóvel durante “Improvisation For Coughs And A Cell Phone” e “Hammers”, malhas em que sua destreza se tornou mais que evidente.
Já pouco se pode duvidar que este germânico seja, actualmente, um dos mais interessantes criadores de exploração ao piano, na sua incessante procura de dinâmicas, em que a melodia encerra sempre qualquer capítulo, mesmo que para isso tenha que dispor de uma maior utilização de graves, como se sucedeu em “For-Peter-Toilet Brushes-More” com aquela incrível sequência nas teclas a lembrar os Goblin nos momentos de “Suspiria” e as suas frequentes mudanças de tom.
Depois de uma abstinência de quatro anos ao nosso país – correspondendo, infelizmente, ao seu maior período criativo – Nils Frahm não deixou de recordar uma fase dramática da sua vida em que com um dedo partido temeu pela sua carreira. Dessa época, retornou a “You” do disco “Screws” e ao seu lamento embalante e melancólico. Frahm que acabou rodeado de um enorme aglomerado de gente, mostrou-se um operacional capaz de imobilizar os sentidos, mas também de os despertar para a grandeza das suas peças. Tal como sugeriu, temos mesmo que o convidar mais vezes.